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"¿Pregunta?", de Rodolfo Mata e Diego Bonilla, é um poema eletrônico que questiona a capacidade de um computador de escrever um poema de amor, promovendo uma reflexão sobre a criação generativa e a relação entre leitura e escrita. Sua estrutura é breve e finita, desenvolvendo-se de forma generativa, permutacional e aleatória, em um tom interrogativo que explora temas como crença e criação.
Visualmente, Pergunta? utiliza diagramas de fluxo e loops, sugerindo um ponto de encerramento em que o leitor pode abandonar a leitura. O aumento da tipográfia dramatiza a permutação, enquanto uma voz gravada e filtrada pronuncia palavras de forma aleatória, que surgem na tela com sintaxe correta. A música e os efeitos sonoros dão ritmo, acompanhando o processo de leitura.
A obra possui duas versões: uma interativa, que permite ao leitor controlar o tempo de leitura, e outra contínua, projetada para exposições. Foi criada como um arquivo executável utilizando o software Director.


"[local_distante]" é um vídeo que contém uma série de poemas visuais e sonoros que o autor denomina 'esculturas verbais'. Estão montadas sobre uma grade que representa o contínuo espaço-tempo, de modo que os objetos verbais estão posicionados, como corpos celestes, sobre a grade do contínuo espaço-temporal. A obra, realizada em cores verde e preto, possui imagens em movimento que formam figuras geométricas feitas de palavras. Com isso, vincula-se à poesia visual e remete especialmente aos preceitos dos concretos no Brasil. Por ser um vídeo, não contém interação externa nem variações.
Tematicamente, a peça explora temas como o que existe e o desaparecimento do que um dia existiu. Quanto ao som, junto à música eletrônica produzida especificamente para acompanhar a peça, emulando o ritmo com que os poemas se movem, ouve-se uma voz robótica que lê um texto gerado por IA (Chat-GPT).
Para a geração dessas 'esculturas verbais', foram dadas instruções ao Chat-GPT para gerar o texto: 'escreva um ensaio no qual explique a ontologia orientada a objetos, o princípio de não-localidade quântica e, como conclusão, estabeleça uma relação entre ambos os conceitos'. Seguindo essa instrução, "[local_distante]" é um exercício que combina poesia visual em movimento, filosofia, física quântica, música, IA e voz computadorizada para explorar questões sobre nossa compreensão da realidade.
"[local_distante]" foi uma obra criada originalmente para ser apresentada ao vivo durante a edição de 2023 do Festival Kerouac na Cidade do México.


"//SAD TRASH//", de Fernanda Marlene Ayala, é um vídeo concebido especificamente para os stories do Instagram. A autora argentina utiliza a plataforma do Instagram como um meio de criação e exibição, apropriando-se de gifs que fazem parte da rede social para compor uma narrativa visual. Classificada dentro do gênero de poesia eletrônica, a obra se inspira no conceito de "objeto encontrado", transportando-o para o ambiente digital, onde os gifs se tornam fragmentos reutilizados para criar uma narrativa que se desdobra no tempo efêmero dos stories.
A obra explora as possibilidades do Instagram como arquivo e como plataforma de circulação massiva, em que se diluem as fronteiras entre criador e consumidor, entre arte e entretenimento. Ao empregar gifs preexistentes, "//SAD TRASH//" reflete sobre a natureza do conteúdo digital e sua capacidade de ressignificar imagens de uso comum, transformando-as em elementos de um processo criativo aberto.
Através do vídeo, Ayala convida a repensar a função das plataformas sociais não apenas como espaços de consumo de imagens, mas como ferramentas potenciais para a criação artística contemporânea. A obra dialoga com o conceito de ready-made de Duchamp, levando o objeto encontrado para um ambiente digital, e se encontra em uma tradição que questiona a autoria e a originalidade na era da reprodução em massa e da cultura visual das redes.



A


"Abandoned Memories", de Jorge Forero, é um projeto poético que investiga o vínculo entre linguagem e esquecimento, oferecendo uma experiência de nostalgia por lugares e momentos que nunca foram vividos. Composta por seis peças hipermidiais, essa obra permite ao espectador "lembrar" espaços e situações por meio de uma combinação de palavras e imagens.
As imagens utilizadas nas peças foram tratadas com inteligência artificial e são apresentadas por meio de um visualizador que permite ao usuário navegar entre elas, como se estivesse aplicando uma série de filtros. Essa transição visual adiciona um componente dinâmico, emulando a forma como a memória pode distorcer e reinterpretar cenas que nunca fizeram parte da experiência pessoal.
Uma das peças finais, "Cementerio de trenes", utiliza o Google Maps para guiar o espectador pelo cemitério de trens de Uyuni, na Bolívia. Esse espaço abandonado, marcado pelo desgaste e pela erosão natural, simboliza o deterioramento dos sistemas de produção e permite que a tecnologia sirva como uma porta de entrada para explorar o impacto da natureza sobre as construções humanas.
"Abandoned Memories" convida à reflexão sobre como percebemos e construímos lembranças em um contexto digital. Ao utilizar ambientes virtuais e ferramentas de processamento visual, a obra sugere uma relação entre nostalgia e o artificial, questionando até que ponto a memória pode surgir na ausência da experiência direta.


"Amazon" é um poema visual generativo que envolve código, poesia visual e performance, entrelaçados para fazer uma declaração de conteúdo político. Um pedaço de código difícilmente decifrável devido ao seu alto nível de compressão é apresentado a quem acessa esta obra. Esse código deve ser copiado, colado em um editor de texto e salvo como um arquivo do tipo HTML. Esse gesto performativo culmina na execução do arquivo que ganha forma na tela e ressoa com os posicionamentos conceituais da peça.
Quanto à problematização que atravessa esta obra, os recursos naturais são uma preocupação central deste trabalho, assim como em muitos outros do artista, que inclui elementos da tradição da poesia visual. Tisselli trabalha com sua ideia de "magia dos números": ao executar o código, aparece uma espécie de bosque de árvores, mas à medida que a execução avança e diante do crescente desmatamento, a imagem se transforma em um conjunto de números em movimento. Assim, a referência do nome combina o gradual desaparecimento da floresta amazônica enquanto apela ao consumo desenfreado e irrestrito que ocorre em uma plataforma como a Amazon.


A "Antología de la Poesía Electrónica del CCDMX", dirigida por Mónica Nepote e publicada em 2018 pelo Centro de Cultura Digital do México, reúne seis obras de poesia digital que exploram como as ferramentas eletrônicas moldam a escrita contemporânea. Cada obra aborda a interação entre texto, código, som, visualização de dados e tecnologias como HTML e programação interativa, gerando uma reflexão sobre os limites e as possibilidades da escrita digital.
Entre as peças, destaca-se "Mb-r- èz yàx mtí" [Gemido da águia], uma obra de ciberpoesia que combina o pensamento zapoteca e sistemas informáticos para criar versos na língua zapoteca. "De ti a mí no hay distancia", de Carolina Villanueva Lucero, utiliza uma interface que imita a caligrafia manual para questionar a relação entre escrita, identidade e meios digitais. Por sua vez, "Desbordar/Filiaciones textuales", de Nadia Cortés, investiga as relações familiares por meio de nós textuais dinâmicos criados com Processing e ArborJS.
"A poesia é uma deusa", de Romina Cazón, funde texto animado e sonorizado para reinventar o poema a partir de uma perspectiva não linear. "Soy una máquina y no puedo olvidar", de Martín Rangel, combina texto, música e visuais em um falso documentário que reflete sobre inteligência artificial e criação literária. Por fim, "Seis minutos para tomar el T", de Ana Medina, tematiza a espera por meio de uma colagem digital de mapas e pensamentos em movimento.
Esta antologia é um exemplo significativo de poesia eletrônica, demonstrando como a escrita digital pode expandir os limites da linguagem e da criação literária.


"Apuntes sobre la invisibilidad", de César Cortés, é uma série de cinco vídeos que exploram a identidade e sua representação no "terceiro ambiente" ou ambiente digital, seguindo os conceitos de identidades fictícias e múltiplas. Este trabalho é baseado na pesquisa "Persona(s). Identidades múltiplas no terceiro ambiente", realizada no Pós-graduação em Artes e Design da UNAM, em conjunto com o Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Ciências e Humanidades (CEIICH-UNAM). A obra reflete sobre a construção de identidades em espaços neomídias, seguindo a "epistemologia genética" de Jean Piaget e a noção de terceiro ambiente do filósofo Javier Echeverría.
Os vídeos apresentam autores fictícios gerados a partir de uma inter-relação homem-máquina, examinando como os dispositivos digitais permitem criar novas formas de autoria e de representação social. A obra se configura em um contexto global e digital, explorando como o ambiente eletrônico redefine conceitos e categorias da vida social que antes estavam associados aos espaços urbanos físicos.
Para a criação desses autores fictícios e sua representação visual, foram utilizados o FaceGen e o Carrara para modelagem, o Speechify para conversão de texto em fala e o GPT-2 para a interlocução homem-máquina. A edição final dos vídeos foi realizada no Premiere.


"Armando the Bardo" é uma obra de ficção interativa feita em Twine por David T. Marchand, autor de diversas outras obras do mesmo gênero, que flerta com o universo dos jogos baseados em texto. Com versões em inglês e em espanhol, esta obra conta a história de Armando, ghostwriter e amante de William Shakespeare, o bardo aludido no título. Como uma peça teatral, a narrativa é dividida em cinco atos, os quais podem ser explorados em qualquer ordem à escolha do leitor.
A obra explora temáticas como amor e traição, oferecendo aos leitores a oportunidade de ajudar Armando a decidir se deve buscar vingança pelo fato de não receber o crédito pelas peças indevidamente atribuídas a Shakespeare. Conforme convenções do gênero de narrativa digital “simulador de romance”, com o qual a obra também partilha características temáticas e de interação, as escolhas do leitor durante os diálogos com outros personagens podem levar a distintos finais: três são negativos e um positivo, do ponto de vista da relação amorosa. O texto tem pitadas de humor e trocadilhos, revisitando temáticas e alguns elementos linguísticos das peças de Shakespeare.
Além disso, o universo do teatro é recorrentemente tematizado na obra, inclusive com trechos de uma peça imaginária “encaixada” no ato final: “Much ado about The Sand People’s Messiah versus The Black Lodge’s Snow Piercing Carriage”. Nesse episódio metadramático, que retoma o título da célebre comédia shakespeareana “Much ado about Nothing”, embaralham-se os papéis desempenhados pelos personagens de “Armando the Bardo” na peça intradiegética e o papel que o jogador desempenha ao escolher ações e falas das personagens na peça interativa em cinco atos de David T. Marchand.



B


"Bastardo" é um romance eletrônico que combina fragmentos para criar 10x149 textos diferentes e otimizados em cerca de 4 bilhões de histórias coerentes por meio de estruturas narrativas. Utiliza processos de combinatória digital, regras narrativas específicas e otimização de obras fragmentadas em nós ou blocos narrativos para gerar múltiplas possíveis leituras com propostas e resoluções diferentes, iteradas para cada leitor. Se cada pessoa lesse uma versão de "Bastardo", seriam necessários 60% da população mundial atual para explorar o espaço de busca completo desse sistema dinâmico de hiperliteratura.
A obra trata da busca pela identidade a partir de um personagem histórico: Sir Henry Morton Stanley, o explorador galês que conquistou o Congo, teve quatro nomes diferentes, massificou o jornalismo de guerra e lutou contra seu passado para romper com sua condição de bastardo, que o impedia de ser considerado um cavaleiro da coroa inglesa. Essa vida múltipla permite ao autor desenvolver tramas nodais que variam de acordo com as combinações de leitura, mas mantêm sua coerência e veracidade histórica.
A partir da utilização de processos de combinatória para chegar a múltiplas narrativas e desfechos, presta homenagem à tradição do OULIPO.
Este romance eletrônico faz parte do quarto volume da Electronic Literature Collection da ELO.


A obra colaborativa "Bestiario Marino" se destaca por seu enfoque interdisciplinar e intermedial. A experiência de leitura se centra no peixe que o leitor escolhe ou "pesca" na página principal da obra (home). Ao contrário de muitas obras digitais que oferecem combinações infinitas, nesta a trama se desenvolve em função da escolha inicial do leitor, que vai se ancorando na história à medida que avança. Isso convida a explorar diferentes caminhos e descobrir os segredos do mundo marinho por meio da escolha do peixe.
Primeiro aparecem poemas visuais animados que remetem a antecedentes de caligramas e trabalho visual com a materialidade da letra. Nesse sentido, encontram-se reminiscências de obras precedentes, como os “Anipoemas” de Ana María Uribe (1997). Abaixo dos poemas visuais, encontra-se um microrrelato, um gênero que presta tributo a uma tradição enraizada na literatura latino-americana e nas vanguardas do século XX. Além disso, o texto possui animação e uma voz que se ativa quando o usuário clica em play no áudio, sempre localizado no canto superior direito de cada história.
Por sua vez, com o termo "bestiário" a obra faz referência a um gênero medieval que trata de animais, tanto reais quanto imaginários, e que são recriados nesta obra de literatura digital a partir da variedade de linguagens intervenientes (movimento, visualidade, interação etc.).
Recebeu menção honrosa no primeiro concurso nacional de literatura digital Julio Torri em 2021, realizado no México.


"Big Data", de Rodolfo Mata e Diego Bonilla, é um poema eletrônico gerador de vídeos que explora a coleta e o processamento massivo de dados pessoais no ambiente digital. O poema antecipa um futuro em que as informações pessoais são coletadas não apenas por atividades individuais, mas também por meio de sensores da Internet das Coisas, gerando uma “onisciência” tecnológica com fins persuasivos.
A cada execução, o poema produz uma versão única por meio de um sistema generativo e permutacional que segue caminhos preprogramados para manter a coerência gramatical e semântica em espanhol. A obra é apresentada por 30 pessoas da Cidade do México, cujas vozes e gestos sugerem uma vasta base de dados humana, ocultando a edição automática e criando uma continuidade visual que enfatiza a sensação de vigilância e controle.
Em paralelo, um fractal tridimensional na visualização representa uma base de dados dinâmica, composta por cubos que se expandem e contraem, simulando uma paisagem de informação em perpétuo movimento. Esse fractal evoca a profundidade e a complexidade do Big Data, com estruturas que parecem “respirar” em uma representação tão atraente quanto inquietante.
O design sonoro eletroacústico, único em cada regeneração, integra texto e visual, adicionando um matiz emocional e reforçando o conceito do poema. A obra, em sua totalidade, reflete sobre o papel da tecnologia na vida contemporânea e sua capacidade de definir a existência humana por meio da manipulação massiva de dados.



C


"Circuito Nocturno" é um video-poema com conceito visual de Lorena Mata, direção de Rodolfo Mata, texto de Elizabeth Hulverson e música de René Torres. A obra combina poesia, gráficos digitais e música eletrônica em um montagem que explora os limites entre o real e o imaginado. Criada em 2001 e exibida na Casa Lamm em 2002, essa peça apresenta uma proposta experimental única para sua época.
O video-poema é composto por imagens digitais que intervêm e fundem fotografias, algumas provenientes da obra de Manuel Álvarez Bravo, cujos "enigmas em preto e branco" evocam realidades alternativas, como descreve Octavio Paz. Essas fotografias, juntamente com as de Lorena Mata, formam um "circuito noturno" que leva o espectador a percorrer cenas que transitam entre a memória e a imaginação.
A música de René Torres e o texto poético de Elizabeth Hulverson se integram na sequência visual, compondo uma atmosfera semelhante à de um sonho ou uma visão. Esse diálogo entre imagem, som e palavra cria um espaço onde o vivido e o imaginado se entrelaçam. Circuito Nocturno convida à reflexão sobre a arte como meio para representar estados oníricos e explorar a interseção entre lembranças e ficção, fundindo seus elementos em uma composição coesa e evocadora.


"Contenido Manipulado", de Juan Calderón, é um projeto de pesquisa-criação sobre a desinformação digital em torno do coronavírus, composto por várias peças de literatura eletrônica. Utilizando programação generativa, a obra revela os mecanismos por trás da criação e circulação de notícias falsas, incentivando uma reflexão crítica sobre a desinformação na era digital.
A obra inclui diferentes seções: "COVID Poetry", "Poema COVID-1984", "Gerador de teorias de conspiração", "Gerador de receitas de curas milagrosas", "Replier bots - O que são?", e os bots replicadores Bernardo de Campos, Ricardo Caeiro, Alberta Soares. Também apresenta o relato "Fatos alternativos". Cada peça explora uma faceta da manipulação informativa no contexto da pandemia, servindo como registro dessa crise informativa.
Desenvolvida em HTML, CSS e JavaScript, a obra utiliza a biblioteca Aventura, de Sergio Rodríguez Gómez, em algumas de suas seções, facilitando a interação do leitor. "Contenido Manipulado" convida o usuário a explorar essas peças e refletir sobre a circulação de informações em ambientes digitais, examinando como essas plataformas podem tanto difundir como desarticular narrativas enganosas.


Enquadrada na experiência da pandemia mundial de covid-19, "Corona Sound Machine" é uma obra de literatura eletrônica que articula três manifestações multimídia que se complementam: uma instalação web, um diálogo de ficção online e uma coleção de música latina (cumbia, rancheras, ballenatos, música llanera, zamba, rap). O objetivo do trabalho é analisar a construção de uma estética vernácula nesses vídeos virais que se referem ao particular de um vírus que nos afetou em escala global. Cada vídeo é acompanhado de uma breve resenha em inglês do vídeo cantado em espanhol e que de alguma forma se refere à atualidade pandêmica.
Através de vídeos, conversas fragmentárias e clipes, esta máquina propaga “como um vírus” uma crônica da experiência durante a quarentena imposta pelas autoridades sanitárias e governamentais em 2020. Nesse período de isolamento, o WhatsApp ampliou seu alcance entre diversos grupos familiares, diaspóricos ou mesmo entre amigos e serviu como veículo de comunicação de conteúdos específicos sobre o coronavírus. "Corona Sound Machine" utiliza essa interface para abrigar esta obra que, a partir da coleta de 18 vídeos virais, exibe uma grande variedade de gêneros musicais que remetem à forma como a pandemia foi vivida na América Latina.
A "Corona Sound Machine" foi apresentada nos colóquios Affect & Social Media (U. East London, Londres, 2020) e Pandemix.Mob (Sorbonne Nouvelle, Paris, 2020), junto a um vídeo explicativo de seus autores na forma de um "desktop movie" bilíngue.


"Cyber_BardX" é uma obra que introduz o conceito de uma entidade virtual como parceira no processo criativo, explorando a relação simbiótica entre o humano e o não-humano. Inspirada no conceito de Companion Species de Donna Haraway, a obra eleva computadores e algoritmos ao status de “espécies companheiras” na criação artística, questionando e ampliando as fronteiras entre tecnologia e literatura.
Desenvolvida com tecnologias como HTML, CSS, JavaScript e Tracery, além de integrar plataformas de inteligência artificial como Wombo, Melobites e Gemini (anteriormente conhecido como Google Bard), Cyber_BardX oferece uma experiência transmídia rica e multifacetada. A obra homenageia o espírito do bardo ancestral que narrava histórias ao longo do tempo, combinando ficção e não ficção em sete entradas distintas. Cada uma dessas explorações mergulha no conceito de entidade virtual por meio de diferentes mídias e gêneros: criações audiovisuais, um bot literário no Twitter, um ensaio, um contrato imaginário com uma entidade digital, um e-book com um poema transmídia, um conto que retrata a fusão entre humano e software, além de uma série de poemas inspirados em obras como "Electrobardo de Turl", de Stanislaw Lem, "A Autora das Sementes de Acácia", de Úrsula K. Le Guin, e "A Inteligência das Flores", de Maurice Maeterlinck.
Originada no âmbito do Seminário de Escrita CiFi, em colaboração com a Cátedra Max Aub, a obra oferece uma experiência de leitura interativa e não linear, transportando os leitores para novas dimensões poéticas e tecnológicas. Cyber_BardX convida o público a repensar os limites entre humano e máquina, literatura e tecnologia, em um espaço de criatividade compartilhada.



D


"Dada-e" é uma obra literária coletiva (cadáver exquisito) criada por um coletivo internacional de autores, utilizando as linguagens de marcação HTML e CSS. Os participantes seguiram diretrizes específicas para compor esta obra digital, que explora as possibilidades poéticas do suporte eletrônico.
A obra incorpora gifs, textos interativos que respondem ao movimento do cursor, e palavras dispostas sobre a tela, rompendo com a linearidade da escrita tradicional. Em "Dada-e", a linguagem se torna espacial, apelando para a interação e a disposição não sequencial do texto, o que enriquece a experiência de leitura e a transforma em um ato exploratório.
A combinação de elementos visuais e textuais cria uma experiência imersiva, na qual o leitor se torna um participante ativo na construção do sentido. A obra se encontra na tradição do dadaísmo e do surrealismo, reinterpretando essas correntes através das ferramentas digitais e promovendo uma experiência poética que transcende o papel, adaptando-se à interface eletrônica.


"Deletério", de Fábio FON e Soraya Braz, é um videopoema produzido em computação gráfica, justapondo diferentes perspectivas de ambientes tridimensionais modelados com o software Blender. A obra se inspira em um momento histórico recente do Brasil, caracterizado pelo negacionismo científico e culto à violência, combinados com uma roupagem “patriótica”, junto ao contexto da Pandemia de COVID-19, que resultou em mais de 700 mil mortes no país. Como uma alegoria deste sinistro período, o videpopoema apresenta um ambiente parcamente iluminado e predominantemente verde e amarelo, no qual se ouvem ritmados tiros de revólver. Nesse ambiente, observam-se bandeiras, estrelas e outros elementos que conotam patriotismo, com reiteradas ocorrências da palavra “delete” escrita em placas, telas e banners. Se, atualmente, esse é um termo usado de modo mais corrente para referir-se ao apagamento de dados de um computador, em sua origem latina, como o verbo “delere”, seu sentido se relacionava com diferentes atos de destruição ou erradicação, inclusive de inimigos numa guerra. A associação entre violência, destruição e patriotismo exacerbado faz ecoar o cenário político brasileiro dos últimos anos, em que se assistiu ao rápido crescimento dos discursos de extrema direita e suas promessas de erradicação de problemas por meio do apagamento de forças políticas e atores sociais dissonantes.


"Desvaneciendo" é um conto interativo web da artista e programadora Anni Garza Lau. A obra faz uso de recursos de hipermídia programados em P5.js para narrar em primeira pessoa eventos de violência sexual, os quais vão passando de lembranças turvas a memórias mais vívidas à medida que o relato avança. Conforme o texto progride, a voz narrativa de uma mulher vítima de violência se mistura à de outras mulheres em situações semelhantes, indicando a problemática social urgente em diversos países da América Latina.
O desafio de trazer à memória o evento traumático, que ocasionalmente desvanece diante da tentativa de dar nome a essas ocorrências devastadoras, é sugerido no título da obra e no constante borramento, apagamento e deslizamento das palavras na tela. Durante a interação com a obra, abrem-se, mediante cliques em hotspots, janelas do tipo pop-up que integram diferentes memórias à narrativa principal, relatando casos de assédio e abuso contra mulheres por meio de diferentes gêneros, como poemas, mensagens de texto e postagens em redes sociais.


"Dia de folga" é um conto hipertextual construído em HTML e Javascript na plataforma Blogger, contendo textos originais de Flávio Komatsu, vídeos no YouTube e imagens editadas no Photopaint. A narrativa, em primeira pessoa, é contada pela voz de um jovem da periferia que relata casos de violência policial contra membros de sua comunidade. Considerando o contexto social do Brasil contemporâneo, pode-se dizer que a obra embaralha as fronteiras entre a ficção e o real por meio de recursos hipertextuais: se alguns links da obra ligam entre si cenas da história criada pelo autor, outros remetem o leitor a manchetes e vídeos de notícias publicados pelo portal jornalístico Ponte, uma organização real, sem fins lucrativos, que visa "aumentar o alcance das vozes marginalizadas pelas opressões de classe, raça e gênero [...]”. Entre outros casos verídicos de violência policial que se tornaram famosos no Brasil nos últimos anos e são recuperados na narrativa de "Dia de Folga", destaca-se o aberrante assassinato de um jovem garçom negro pela polícia militar no Rio de Janeiro em 2018. O caso ganhou repercussão nacional quando policial responsável pela morte alegou ter confundido com um fuzil o guarda-chuva portado pelo garçom. O absurdo de tal situação é escancarado em Dia de Folga por alguns dos hiperlinks da narrativa, nos quais se lê “Como se nasce com um alvo [no corpo]?" e “Quem confunde guarda-chuva com fuzil?”.
"Dia de Folga" recebe o selo da Inviável Editora, que também publicou outras obras digitais de Flávio Komatsu, como "2019 não passa" (narrativa inteiramente composta por postagens no Instagram) e o romance hipertextual "Terminal".


"dios un pixel" é uma coletânea de poemas transmedia realizada em formato e-pub e editada pelo Centro de Cultura Digital do México. Propõe uma leitura não linear e hipertextual dos poemas, de forma que algumas palavras ou frases nos levam a diversos percursos e movimentos textuais. Seu objetivo é questionar a ética da penetração de algoritmos nos dados dos usuários de dispositivos, buscadores e redes sociais.
A obra propõe um espaço onde fluem diversas manifestações de escrita, audiovisual, sonora, animação, ilustração, programação, entre outras, em um único objeto virtual chamado livro eletrônico. Ao mesmo tempo, questiona as dimensões do conceito de livro, utilizando esse formato, mas subvertendo sua linearidade e colocando em primeiro plano a materialidade da letra. Em relação a essa materialidade, é importante notar o fundo preto, as palavras em branco contrastante e as diferentes tipografias. Além disso, trabalha com textos breves, em algumas páginas expressando até mesmo apenas uma palavra ou nuvens de palavras, relacionando-se com a tradição da poesia visual.


"Distant Memories" é um art-game que busca explorar a poesia procedural em um ambiente lúdico, com ênfase em obras visuais simples, mas chamativas. A exploração poética é acompanhada por música de fundo que remete a sons orientais, seguindo a estética geral do trabalho. Trata-se de uma obra vinculada à tradição dos games.
O jogo propõe voar pelo céu com uma série de dragões desenhados à mão e "capturar" poemas construídos aleatoriamente a partir de uma base de 100 versos, escritos de forma que sempre resulte em um poema gramaticalmente correto e com sentido — algo que o jogo consegue realizar. Ao iniciar a obra, o usuário pode escolher um avatar para capturar as histórias que circulam na página.
É interessante que a obra possa ser explorada em dois idiomas (inglês e espanhol) e que também seja possível deixar comentários sobre a experiência lúdica ao se registrar como usuário em um site indicado na parte inferior da interface.



E


"El código es la escritura", de Wendy Yashira, é um poema/manifesto programado em Hydra.js, onde o código e o resultado visual são apresentados simultaneamente na tela. A obra utiliza uma disposição de textos que exibe mensagens poéticas e políticas sobre tecnologia, comunidade e futuro.
Frases como "el código es el pensamiento" e "código abierto y colectivo" se combinam para criar uma sequência de ideias que vinculam a programação a temas de libertação, ecologia e coletividade. A interação entre o texto e o código gera um diálogo visual que conecta a linguagem e a imagem em tempo real.
Enquadrada na poesia generativa, a obra inclui referências a figuras como Donna Haraway e Mark Fisher, assim como elementos ancestrais da cultura andina, propondo uma relação entre tecnologia e práticas comunitárias. "El código es la escritura" promove a programação compartilhada e explora a dissolução da autoria, propondo uma escrita digital colaborativa e interativa.


"El miedo a ser humana en códigos", criada por Iris Cantorin, é uma experiência interativa desenvolvida no Twine que explora temas de identidade e vulnerabilidade. A obra adota uma estética minimalista, utilizando o hiperlink como elemento central para construir um poema não linear que convida o leitor a navegar e descobrir suas múltiplas camadas.
O texto é apresentado de forma dinâmica: algumas palavras se movem, outras aparecem borradas ou em posições incomuns, como de lado, criando uma sensação de instabilidade que reforça a temática central. A obra apela à interação do leitor, que decide o percurso e a interpretação do poema, experimentando a espacialidade e o ritmo da leitura digital.
Classificada como poesia hipertextual, "El miedo a ser humana en códigos" destaca-se pelo uso do Twine, uma plataforma de código aberto voltada para a criação de histórias interativas, para romper com a linearidade tradicional da poesia e propor uma experiência que reflete as tensões e complexidades do ser em um mundo digital.


"Electrobardo", de Alejandro Del Vecchio, é um poema-videogame que adapta a mecânica do clássico "Arkanoid" para construir poesia generativa por meio do jogo. Cada ponto obtido pelo jogador revela progressivamente versos dos poemas, que se transformam com base em decisões e elementos aleatórios durante a partida.
A obra é composta por quatro robopoemas — "Arte poética", "Poema inteligente", "Poema comprometido" e "Poema para ser encarcelado" — que são gerados dinamicamente. Em cada poema, palavras-chave mudam dentro dos versos para oferecer múltiplas leituras, como substituir "poema" por "sexo", "texto", "verbo", "livro" ou "arte". Essa abordagem combina acaso, interatividade e as decisões do jogador para criar uma experiência única a cada partida.
"Electrobardo" inspira-se em autores como Mark Fisher e Kenneth Goldsmith, que refletem sobre as possibilidades da linguagem e a relação entre tecnologia e criação literária. A obra propõe um diálogo entre o videogame e a poesia, mostrando como os limites entre os dois podem se desfazer para gerar novas formas de expressão.
Criado por Alejandro Del Vecchio, que concebeu, desenhou e programou o projeto, a peça não apenas convida a jogar, mas também a participar da construção do texto poético. A combinação de acaso e design generativo transforma a experiência em um exercício lúdico e reflexivo sobre a linguagem, a criatividade e o papel do leitor como cocriador.


“Emoji Horoscopes”, publicada inicialmente na sexta edição da revista Taper, é uma obra digital que homenageia o carismático astrólogo porto-riquenho Walter Mercado e explora criativamente o gênero dos horóscopos. Utilizando uma combinação de linguagem verbal e emojis, a obra gera horóscopos de maneira aleatória, criando previsões curiosas e inesperadas que capturam a essência lúdica e espirituosa do tema. Apesar de sua simplicidade aparente, a obra surpreende por sua profundidade e capacidade de suscitar múltiplas interpretações.
A natureza da publicação em Taper impõe um desafio criativo único: cada obra deve ter no máximo 2048 bytes, o que exige um design e uma execução minimalistas e precisos. Estevez Quintana trabalha, portanto, dentro dessa limitação técnica para construir uma experiência envolvente e cômica, potencializada pelo uso expressivo dos emojis. Esses elementos visuais, carregados de significados e nuances, ampliam as possibilidades de interpretação das previsões, tornando-as abertas e adaptáveis à perspectiva de cada leitor.
A aleatoriedade na geração dos horóscopos intensifica o caráter imprevisível e divertido da obra, brincando com a credibilidade e a natureza simbólica dos horóscopos. Emoji Horoscopes não apenas entretém, mas também provoca reflexões sobre a forma como atribuímos significados a símbolos e sobre as interpretações subjetivas do destino e da sorte. Este trabalho de Estevez Quintana exemplifica como a literatura eletrônica pode usar as limitações de espaço e os recursos tecnológicos para criar experiências literárias inovadoras e envolventes.


"Escondidinho" é um poema combinatório, ou motor textual, desenvolvido por Jaqueline Conte a partir de uma adaptação de texto homônimo, também de sua autoria, publicado no livro Desterência (São Paulo: Peirópolis, 2023. Coleção Madrinha Lua). A obra foi desenvolvida no Poemário (editor de poesia combinatória em Javascript concebido por Rui Torres e programado por Nuno Ferreira) e idealizada no âmbito de um curso de Combinatória e Geração Textual, promovido pela Universidade de Coimbra e ministrado por Rui Torres e Bruno Ministro em 2022. Como outras obras desenvolvidas no Poemário, "Escondidinho" pode ser explorado no modo “Animação” (no qual o leitor assiste a algumas palavras dos versos sendo automaticamente substituídas por outras), ou no modo “Interação” (no qual o leitor pode escolher, dentro das restrições do sistema, quais palavras ele deseja substituir aleatoriamente por outras do banco de dados por meio de cliques). Dados o número de posições nos versos em que pode haver substituição de termos e a quantidade de palavras disponíveis para cada posição, Escondidinho conta com 31.352.832.000.000 possibilidades combinatórias. O caráter experimental da obra, brincando com os limites expressionais da poesia digital combinatória, reflete-se também no plano do conteúdo do texto, cujo teor metapoético é garantido em qualquer combinação pela presença imutável do substantivo “linguagem” no primeiro verso. A obra oferece ainda duas opções de experiência estética no que concerne à camada sonora: o leitor pode explorá-la sem som ou com a reprodução aleatória de arquivos de áudio em que a poeta lê diferentes palavras contidas no banco de dados.



F


"Fragmentar la pregunta o el sentido de la boca abierta", de Selva Vargas, é um livro hipertextual de poesia que também possui formato físico, tornando-se uma obra transmídia. Utilizando Twine, Itch.io e YouTube, a autora cria uma experiência de leitura interativa e não linear, onde o leitor navega por meio de palavras-chave que funcionam como links. Os poemas incluem palavras riscadas, palavras em movimento e vídeos, fundindo texto e multimídia para repensar a leitura digital.
Um dos poemas, que repete frases como "Las preguntas son un colapso de nuestro tiempo" e "Las preguntas son código, estructura, forma", evoca uma escrita automática com referências à cultura digital. Este poema, juntamente com o restante da obra, convida à reflexão sobre a natureza da pergunta no contexto da tecnologia e da informação.
"Fragmentar la pregunta o el sentido de la boca abierta" é um livro onde o leitor se torna um operador indispensável para construir o rumo da obra.
Publicada em 2021, desafia o conceito de livro ao integrar diferentes meios e formatos, criando uma poesia transmídia que explora o papel ativo do leitor e a fusão do digital com o textual.



G


“Gamebook sobre edición artesanal y electrónica” é um ensaio digital interativo que questiona e amplia as noções tradicionais de livro e edição. Programado na plataforma Itch e desenvolvido com o motor Unity, combina elementos de hipertexto, links interativos e navegação não-linear para explorar as relações entre criação e edição literária no contexto digital contemporâneo. O texto destaca a invisibilidade do trabalho editorial, propondo uma reflexão sobre o que as novas práticas e ferramentas de editoração eletrônica pode oferecer.
Trata-se um experimento que convida o leitor a participar de um diálogo sobre o futuro do livro. O texto verbal aparece sobreposto a imagens animadas de fundo, replicadas ao infinito. Essa estética colorida e poluída remete aos princípios da internet e ao excesso de dados e informação da comunicação digital. A sobreposição dificulta a leitura, provocando a reflexão sobre o ato e o significado de ler no contexto digital e sobre os impactos da poluição informacional e multimidiática digital sobre a leitura, o livro e o mercado editorial.
Além de ser um livro eletrônico dinâmico e hipervincular, “Gamebook” também foi disponibilizado em formato impresso, que direciona os leitores para sua versão digital, enfatizando a interdependência entre os meios físicos e virtuais. A obra examina como as tecnologias digitais não apenas transformam a criação literária, mas também redefinem o papel da edição, promovendo novas abordagens participativas e políticas.


"Gira Girê" é uma exposição artística de animações abstratas digitais feitas pela artista Clarisse Siqueira com o tema Pombagiras. Muito comuns nas religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Candomblé, as Pombagiras são entidades espirituais associadas ao arquétipo feminino, geralmente com forte personalidade, independência e conexão com questões ligadas ao amor, ao prazer, e à sedução. A expressão “Gira Girê”, no título da obra, é uma saudação utilizada para reverenciar as Pombagiras, aludindo à sua associação com movimentos e imagens giratórios de dança e incorporação.
Realizada com o apoio do edital Cultura Presente nas Redes 2, da Secretaria de Cultura do Governo do Estado do Rio de Janeiro, a obra é um vídeo 360 graus imersivo, que pode ser visto através do celular, tablet, computador ou óculos de realidade virtual. No vídeo imersivo, o usuário pode controlar a mirada da câmera e visualizar animações digitais abstratas de Pombagiras, desenvolvidas em softwares de computação gráfica 2D e 3D. As formas curvas das representações abstratas das entidades conotam os movimentos giratórios das Pombagiras e as ventarolas comumente associadas à sua iconografia, em que também abundam as cores vermelho, preto e dourado. O ambiente imersivo da obra é inspirado na Diekenga do povo Bakongo, de acordo com a leitura de Bunseki Fu-kiau feita por Tiganá Santana.
A obra é organizada como uma exposição que se divide em duas salas: a sala Encruza e a sala Calunga. Nas religiões afrobrasileiras, uma “encruza” (ou “encruzilhada”) é um local simbólico de grande importância, promovendo a comunicação entre o mundo físico e o mundo espiritual. O substantivo “calunga” também se refere a fronteiras entre o mundo físico e o espiritual, como num cemitério (conhecido como “Calunga pequena”) ou no mar (conhecido como “Calunga grande”). A dualidade desses simbolismos se expressa na obra por meio dos paralelismos e binarismos visuais entre as duas salas, separadas por um espelho d’água. A imersão na obra se completa pela trilha sonora do vídeo, que congrega as risadas tipicamente associadas à incorporação de Pombagiras e uma música de percussão.


"Guarida" é um poema digital escrito em código. A partir da utilização artística do Hydra, gera-se uma série de imagens em movimento, em combinação com a plataforma glitch.me, permitindo a aparição do código de um modo errático e errôneo. O objetivo dessa experimentação é que o usuário descubra os usos poéticos do código, uma vez que o trabalho foca na 'vida do código'. Aqui o código está vivo e se move, se lê, está presente e foi construído com base na filosofia do software livre, permitindo criar a partir da precariedade e dos recursos mínimos.
A partir da perspectiva do artivismo, o trabalho explora o lugar dos artistas do sul global no complexo cenário político atual da região. Na prática do live coding, os tempos se rompem, se misturam entre si e permitem a criação de novos modos de viver. O trabalho pressupõe que refletir sobre as possibilidades da literatura eletrônica, por meio da programação criativa neste caso, pode ser uma grande ferramenta de luta poética, de conscientização e de ação direta.



H


"Haikumatik" é uma obra de poesia generativa que explora as possibilidades da criação literária a partir de elementos visuais. Este sistema interativo permite ao usuário selecionar de um a 35 emojis em uma grade, e a cada escolha, um novo haikai é gerado em tempo real. Assim como a escolha do emoji, seu posicionamento na grade é também essencial para a composição do poema. Essa abordagem lúdica e inovadora transforma a criação poética em uma experiência visual e interativa, ampliando as formas de expressão literária ao unir símbolos contemporâneos à estrutura clássica do haikai.
A obra, anônima e escrita em espanhol, propõe uma reflexão sobre a simplicidade e a complexidade da comunicação moderna por meio dos emojis. Embora aparentemente simples, Haikumatik revela uma profundidade surpreendente na combinação de significados que os emojis podem sugerir, gerando múltiplas interpretações e associações poéticas. Essa dinâmica destaca o potencial dos símbolos visuais como linguagem universal, subvertendo e expandindo a maneira como percebemos a poesia tradicional.
Além de sua função estética, Haikumatik levanta questões sobre autoria, participação e a natureza da poesia em um mundo digital, em que a interação e a escolha individual moldam a obra final. O projeto, parte de uma série de experimentos em literatura generativa encontrados em Pergamina.


“Hiperlivro Memórias Póstumas de Brás Cubas” é um hiper-romance, seguindo a terminologia proposta por Ítalo Calvino, que reinterpreta o clássico de Machado de Assis, publicado em 1881. Valendo-se da narrativa hipertextual, esta versão fragmentada e interativa busca destacar a natureza rizomática do romance original. Organizada em quatro grandes categorias — vida/morte, razão/imaginação, leitor/defunto-autor, e escrita/escuta —, a obra oferece ao leitor um percurso de descobertas em que cada escolha o leva a diferentes caminhos, reforçando a multiplicidade de leituras possíveis.
A obra também funciona como um exercício hipermídia de crítica literária, ao trazer uma espécie de glossário que elucidam referências intertextuais, históricas e outras aspectos da obra.
Nesta experiência, trechos do romance machadiano são apresentados junto a elementos multimídia, como imagens, vídeos e áudios, que trazem uma nova dimensão interpretativa. Cada entrada é envolta por uma nuvem de palavras associadas, que guia o leitor por conexões temáticas sutis, permitindo uma navegação intuitiva e exploratória entre os diferentes fragmentos. O projeto explora o hipertexto como uma forma de tradução intermídia, expandindo o texto impresso para o digital de forma dinâmica e interativa. Com essa estrutura, reforça-se o caráter reflexivo e crítico da obra original, em que o narrador defunto-autor ironiza a sociedade e a própria condição humana.



I


A ILIDI (Incubadora de Literatura Digital Internacional) é um programa de oficinas virtuais de cocriação entre Quebec e México, fruto da colaboração entre o centro de artistas TOPO de Montreal, o coletivo andamio.in e o Centro de Cultura Digital (CCD) do México. Este projeto, desenvolvido em 2022, destaca-se por reunir participantes de diferentes países da América Latina interessados em literatura eletrônica, oferecendo-lhes um espaço para explorar novas formas de criação no contexto pós-pandemia.
As instalações virtuais estão hospedadas no Mozilla Hubs, um ambiente imersivo onde as obras podem ser exploradas em 3D. Para a produção, foram utilizadas ferramentas como Reaper e Audacity para a pós-produção e masterização de som, além do Blender para modelagem tridimensional, proporcionando uma abordagem interdisciplinar que integra literatura, arte visual e tecnologia.
Entre as obras apresentadas, destaca-se "[error]", do poeta mexicano Martín Rangel. Esta peça explora a distorção como elemento central da poesia e da arte, utilizando glitches visuais, distorção sonora e poesia falada. Segundo o autor, "[error]" posiciona a alteração da linguagem como evidência de sua maleabilidade, questionando realidades aparentemente imutáveis. A obra utiliza imagens, GIFs, sons e vídeos para criar uma experiência que convida a imaginar futuros alternativos, conectando a distorção artística a reflexões políticas. O design e a implementação do ambiente 3D ficaram a cargo de Luis M. Guzmán e Jessica A. Rodríguez.


“Inventeca” é uma obra no formato de aplicativo para dispositivos móveis (iOS e Android) que se inspira na tradição do livro-imagem para permitir que crianças cocriem histórias a partir da leitura e interpretação de narrativas visuais. As narrativas verbais criadas pelos leitores são gravadas e armazenadas em uma biblioteca pessoal, podendo ser compartilhadas com usuários pré-cadastrados.
A obra se destaca por ressignificar, no contexto digital, a experiência da leitura literária compartilhada, típica da infância. Promove, por meio da experiência literária e do protagonismo infantil, o desenvolvimento da imaginação, criatividade, expressão oral, construção narrativa e leitura de imagens.
O aplicativo conta com uma biblioteca de mais de 70 histórias, roteirizadas por Samira Almeida e Fernando Tangi e ilustradas por Fernando Tangi e outros ilustradores. Novas histórias são adicionadas regularmente à plataforma. Os temas abordados são diversos, geralmente relacionados ao universo infantil, como família, amizade e hora de dormir. Dentro do espectro da literatura infantil, também há contos de fadas, histórias de aventura e histórias de animais, entre outras.
Além disso, o app oferece informações para pais e mediadores de leitura, e conta com um modo noturno. Trata-se de uma obra comercial, que disponibiliza algumas histórias de forma gratuita, mas o acesso completo depende de uma assinatura mensal.
A obra foi premiada no Festival ComKids Interativo 2018, na categoria App.


"It’s complicated" é uma obra generativa comissionada e publicada pela "Los Angeles Review" em 2023 como parte de um número especial de literatura digital escrita por latino-americanos nos Estados Unidos. Criado em HTML e programado com ajuda do Chat GPT, este gerador, a cada iteração, seleciona aleatoriamente um emoji representativo de um ser humano e lhe atribui, por meio de um balão de diálogo na interface, uma fala composta por duas frases, também aleatoriamente selecionadas. A primeira frase de cada fala é uma breve sentença sobre a pertença do personagem à comunidade porto-riquenha, seja por nascimento em Porto Rico, seja pela história de seus antepassados; já a segunda frase é um explícito posicionamento do personagem quanto ao melhor destino político para Porto Rico, seja sua promoção à condição de estado norte-americano, sua independência ou soberania enquanto território livremente associado aos Estados Unidos.
Embora se trate de uma questão antiga, desde a invasão de Porto Rico pelos norte-americanos em 1898, a discussão se acirrou com um projeto de lei, aprovado em 2023 pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, que previa a realização de um referendo sobre a matéria junto à população porto-riquenha.
"It’s complicated" foi escrita em inglês para que leitores norte-americanos, e não porto-riquenhos, conhecessem a complexidade deste tema, sugerida desde o título da obra.



J


"Juracán Borinqueño" é uma obra generativa que produz microtextos narrativos em torno do evento da passagem de um furacão pela ilha de Porto Rico. O contexto local em que as narrativas devem ser lidas é indicado tanto pelo mapa do Caribe, sobre o qual é exibido cada poema gerado, quanto pelo adjetivo “borinqueño”, que alude ao nome dado pelos indígenas taínos ao território de Porto Rico (“Borinquen”).
As micronarrativas geradas pela obra são aleatórias e especulativas, mas baseadas em experiências reais vividas pela população porto-riquenha. As cenas que descrevem situações posteriores à passagem do furacão enfocam o mau gerenciamento da situação e dos trabalhos de reconstrução pelo então governador Ricardo Roselló, pelo então presidente Trump e suas equipes. Originalmente concebida com Tracery e Cheap Bots Done Quick!, a obra foi lançada como um bot do Twitter (@Huracan_PR) em setembro de 2018, um ano depois da passagem do furacão María por Porto Rico. Após mudanças nessa rede social que tornaram a obra inacessível em 2023, o artista criador resgatou o código de programação e o implementou na versão web acessível na Antologia. A versão atual foi programada em HTML, CSS e JavaScript com ajuda do ChatGPT.
O artista Leonardo Flores dedica a obra a todas as pessoas que sobreviveram à passagem do um furacão por Porto Rico e também àquelas que não tiveram a mesma sorte.



L


"La puerta" é a primeira obra de uma série de "jogos/ensaios" que se desenvolvem entre as narrativas ficcionais e o conceptualismo. O autor define esta série como um gênero experimental que pretende explorar o potencial do videogame como formato para refletir, de maneira aberta e especulativa, sobre ideias e conceitos complexos. No caso de "La puerta", trata-se de colocar à prova as noções de coexistência e interação interespécies como habilidades/capacidades cruciais para negociar os múltiplos paradoxos e controvérsias levantados pelo Antropoceno.
Com uma estética gamer, a narrativa se desenrola à medida que o "leitor/usuário" joga o jogo e tenta encontrar, entre árvores, animais que estão se extinguindo e caminhos sem saída, "a porta", antes que a mudança climática arrase com os poucos recursos que restam. Isso está presente visualmente através de uma barra inferior que mostra o aquecimento global crescente, do azul ao vermelho. Abaixo dessa barra, conta-se a história que também alterna com advertências e descrições sobre o contexto ambiental. Um som ambiente ao fundo dá conta de como vão se intensificando as dificuldades na busca por essa porta, que metaforicamente está relacionada a encontrar uma saída para a crise climática e a existência de nossa era.


Este folio, publicado pela The Los Angeles Review em 2023, reúne obras de literatura eletrônica criadas por poetas da comunidade latina nos Estados Unidos, entre eles Tina Escaja (de nacionalidade espanhola), Leonardo Flores, Anthony Cody, Loss Pequeño Glazier, Urayoán Noel e J. Michael Martínez. Sob a direção de Brent Ameneyro, o projeto busca destacar a contribuição da poesia Latinx para o gênero da literatura eletrônica, apresentando uma diversidade de estilos, temas e abordagens inovadoras.
A seleção reflete a rica tradição experimental da poesia Latinx e sua conexão com as possibilidades da poesia digital, definida como uma forma literária projetada para ser vivenciada em dispositivos digitais. Por meio dessas obras, evidencia-se como a comunidade latina nos Estados Unidos utiliza a tecnologia para abordar temas de identidade, raízes culturais e sua interação com um ambiente multicultural.
O editor Brent Ameneyro ressalta a importância de representar vozes diversas no âmbito digital, reconhecendo o potencial deste folio como ponto de partida para projetos futuros mais inclusivos. Este esforço conjunto da The Los Angeles Review, Letras Latinas do Instituto de Estudos Latinos da Universidade de Notre Dame e da The Poetry Foundation representa um avanço significativo na visibilização das vozes latinas residentes nos Estados Unidos dentro da literatura eletrônica.


“Leo, o Camaleão Daltônico” é um e-book infantil baseado na tirinha “O Camaleão Daltônico”, de Diogo da Costa Ruffato (2012). A obra narra a experiência de um camaleão daltônico, que, devido à sua deficiência, não consegue se camuflar adequadamente. Em diversas cenas, o leitor pode alterar a cor do camaleão, mas nunca conseguirá que ele se camufle, simulando a frustração do protagonista em relação à sua condição.
A obra sensibiliza de forma lúdica sobre a experiência dos daltônicos e as dificuldades que essa condição pode acarretar. Destaca-se ainda por sua acessibilidade, apresentando o sistema “Color Add”, que utiliza símbolos para identificar cores importantes para o desenvolvimento da história, tornando-a inclusiva para pessoas daltônicas.
Foi projetada para leitura em smartphones, com formato compatível com as telas desses dispositivos, e seus textos e botões foram criados para serem acessíveis a pessoas com baixa visão. A obra conta com narração em voz alta, que pode ser ativada pelo leitor a cada página.
O e-book interativo foi desenvolvido utilizando o software Adobe InDesign e está acessível gratuitamente pelo navegador. Ele faz parte da coleção Livro na Tela do curso de design da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) e foi finalista do Prêmio Bom Design Sul, em 2022.


"Leuko" é uma série de poemas hospedados na rede social Instagram. O livro de poemas nasce de uma música composta por sua autora, cuja última frase diz: 'você poderia ficar um último instante?'. Essa frase gera um conjunto de textos que a autora transforma visualmente, com diversos efeitos relativos à compreensão da temporalidade desse instante.
Nesses poemas, distinguem-se reminiscências da poesia visual no uso de tipografias, disposição do espaço e diversos recursos gráficos (negrito, itálico, palavras desbotadas pela gradação de cinza, molduras, etc.), feitos previamente no Canvas e depois publicados na rede.



M


"Magis/Xanadú", de Jaime Alejandro Rodríguez, é uma experiência transmídia de jogo de RPG e quadrinho interativo acessível como aplicativo web. A obra integra vários formatos: o jogo de RPG, o quadrinho interativo "Complot en Xanadú", o romance digital "Secretos en Xanadú", e expansões narrativas que convidam o usuário a se tornar cocriador. No jogo, o usuário avança por meio de desafios e decisões que alteram seu perfil de personagem, construindo seu protagonismo em um mundo futurista ambientado no ano de 2055.
A narrativa se desenvolve em múltiplas plataformas, onde o jogador explora a história por meio de peças de literatura hipermídia, um blog de interações e a possibilidade de publicar conteúdos de expansão em sites acordados. Essa abordagem crossmídia permite ao usuário vivenciar uma trama distribuída que abrange o romance, o quadrinho e a própria interação dentro do jogo.
"Magis/Xanadú" foi desenvolvido como parte do projeto Interfaces Literarias (2018-2021), com o objetivo de promover a leitura e escrita transmídia em cursos de literatura de ensino secundário e superior na Colômbia. Esta obra responde à necessidade de fomentar práticas leitoras multimodais no contexto educacional, oferecendo um recurso pedagógico para a integração de experiências de leitura digital e transmídia na sala de aula.


"Mantaro a Wayta Pállay" é uma narrativa hipermídia desenvolvida no Twine, concebida inicialmente como um hiperpoema sonoro que vincula imagens a palavras em quéchua. Como se fossem chaves para um submundo, essas palavras conduzem a trechos de poemas de Serafín Delmar e Antenor Samaniego, ao mesmo tempo em que efeitos sonoros são ouvidos durante a execução da obra. A pintura de fundo, "Varayok de Chincheros", foi realizada por José Sabogal em 1925 e é uma parte importante da materialidade da obra.


A coleção de e-books da Editorial Matrerita é um projeto de literatura digital que explora a poesia contemporânea latino-americana de forma expandida, superando as limitações do livro impresso e, ao mesmo tempo, buscando desenvolver a potência poética do ePub de maneira inovadora, algo pouco visto nos e-books contemporâneos. Cada e-book da Matrerita utiliza recursos multimídia como áudios, GIFs e interatividade básica, desafiando as fronteiras tradicionais do formato. As obras refletem uma abordagem DIY (faça você mesmo) e buscam criar uma experiência de leitura coletiva e comunitária.
Com um catálogo que inclui 17 poetas, a coleção foi desenvolvida entre 2020 e 2022, sob a curadoria e design de Valeria Mussio. As obras variam em complexidade e no uso da tecnologia digital. Um exemplo é o livro "Nasces, cresces Escribes un poema que parece un meme Mueres", de César Cano que traz uma série de poemas compostos por uma narrativa breve em – que se inicia sempre com o nascimento e termina com a morte, em geral trágica – e um meme adaptado à temeatica da narrativa, ambos discutindo de forma irônica as pequenas tragédias do cotidiano e as dores da existência humana.
A obra discute os memes como pequenas pílulas poéticas na trivialidade do dia-a-dia. Através dessa combinação de literatura e cultura digital, o autor propõe uma reinterpretação dos memes como expressões artísticas que, com humor e crítica, capturam sentimentos universais e as complexidades da vida moderna.
O catálogo inclui ainda obras de Facundo Nicolás Passarela, Fernanda Mujica, Flavia Garione, Iván Palacios Ocaña, Lorena Valderrama, Marlene Avala, Martín Rangel, Melissa Cerrillo, Milton López, Román Villabobos, Sofía Rossa, Thais Espaillat Ureña e Yudi Martinez. Sua diversidade reflete o caráter plástico e livre de cada e-book, que escapa às amarras tradicionais do copyright.



Matrerita

Autoria: Valeria Mussio
País: Argentina
Categorias: epub, cada e-book utiliza recursos variados como: memes, Efeitos sonoros, enlaces a websites etc.

mc-txt, de Sofía Ferro, é um gerador textual que utiliza a API da Wikipedia e cadeias de Markov para construir conteúdo a partir das entradas do usuário. Desenvolvido em React e estilizado com a biblioteca Nes.css, o sistema extrai fragmentos enciclopédicos e os organiza em uma sequência probabilística onde cada palavra depende exclusivamente da anterior, seguindo um processo estritamente markoviano.
Esta obra se encontra na literatura generativa e explora os limites da autoria na escrita algorítmica, gerando uma narrativa que surge da interação entre humano e máquina. A Wikipedia funciona como um corpus coletivo e aberto, que o algoritmo utiliza para construir um tecido textual intertextual e polifônico. Este repertório lexical se torna uma fonte de termos da qual o sistema extrai e reorganiza conteúdo, criando um texto não linear e em constante construção, de acordo com as entradas do leitor-operador.
O gerador se baseia em cinco emoções e percepções humanas, que utiliza como nós de busca na Wikipedia para gerar um discurso poético computacional. A obra articula uma escrita maquinal que questiona a construção de significados em ambientes digitais e convida a repensar a leitura no contexto da literatura digital e da estética da indeterminação.


Metadécimas sobre el dispositivo é um livro de poemas impresso apresentado no sistema Issuu e pertence ao gênero da poesia em código. É o resultado da interseção entre a linguagem da poesia em décimas e a linguagem informática HTML. Contém onze 'meta-décimas' que refletem sobre o conceito de dispositivo, escritas em 4 páginas web ou capítulos.
Seu objetivo é refletir sobre as linguagens que intervêm no objeto livro e as possibilidades experimentais do suporte digital por meio de poemas escritos em código, em seu duplo sentido: um código informático e uma decifração de leitura. Isso torna interessante o trabalho com a visualidade dos poemas, que rapidamente reconhecemos como tais pelo ordenamento material e não pelo verbal.
O livro de poemas é apresentado emulando a materialidade do impresso; por exemplo, através da cor envelhecida das 'folhas', do fio que costura os cadernos do objeto livro, ou da tipografia semelhante a uma máquina de escrever. Por isso, remete à tradição do livro impresso.


Mi cuerpo é um poema eletrônico hipertextual escrito em 2023 para narrar uma ruptura sentimental. Além de imagens com tipografias em movimento, utiliza música como apoio sonoro. Neste poema/labirinto, como o define sua autora, o usuário avança pelo texto à medida que clica em algumas palavras que são propostas como hiperlinks. Por sua vez, um botão situado na parte inferior do texto permite voltar ao início para realizar um novo percurso narrativo.
Embora o poema seja escrito a partir de uma narrativa intimista, propõe uma fusão entre o plano pessoal e o plano social e político do Peru. Isso se reflete nas referências textuais do poema à crise do final de 2022 e início de 2023, que culminou em uma tentativa de golpe de Estado de Pedro Castillo e no posterior início do governo de Dina Boluarte. Tal crise resultou em 60 vítimas fatais, crimes que ainda permanecem impunes no momento do desenvolvimento desta obra.


Miiuni é uma obra transmídia que explora, em um mundo digital com diversas facetas, as diferentes formas de habitar um lugar: a natureza, a história familiar, a cidade, o lar. Aproveita os recursos do ePub que lhe serve de suporte para inserir e combinar vídeo, imagem, som, movimento e palavra escrita de maneira inovadora e inquietante.
O trabalho está dividido em cinco partes que remetem a diferentes plantas e contam uma história particular. Cada uma dessas histórias é composta por diferentes elementos que se acumulam e fazem parte, juntamente com o texto escrito, de um conjunto de vozes diversas que constroem uma poética. Nesse sentido, destaca-se o trabalho de escrita baseado em uma sobreposição que se dá não apenas pela escolha transmídia da peça, mas também, e especialmente, pela materialidade da letra escrita. As palavras às vezes são expressas sem espaços entre si e até sobrepostas, tornando essa leitura trabalhosa. Esse pacto com o leitor se estende também ao que se ouve nos vídeos e à interpretação sonora e visual que ocorre com uma ordem precisa ao longo de toda a obra.


"Modular Hervor" é um vídeo em que se joga com a tradutibilidade de ícones e palavras em duas línguas: espanhol e alemão. Baseia-se em um vocabulário homófono formado por palavras com a mesma grafia, mas significados distintos em ambas as línguas. O trabalho não é interativo e, apesar de possuir ícones que ilustram as diferenças significativas entre as línguas, requer uma compreensão mínima das duas línguas em questão. Seu objetivo é refletir sobre a tradutibilidade em um contexto digital global.
Por meio do que o autor considera “sensibilidade punk”, a obra utiliza o programa Adobe Spark e as imagens que vêm pré-selecionadas nele para complicar a presunção de uma tradução e legibilidade globais, apostando mais no que Emily Apter (2006) chama de “Netlish”: uma forma de expressionismo “pós-mídia” que se articula na tensão entre a entropia digital e a tradutibilidade universal.
Aqui se aborda, por meio da estética do jogo, o problema do expressionismo da poesia na tradição romântica (a lírica como uma espécie de “fervor”) em relação ao modular ou supostamente modulado da arte digital, como aquilo que Ian Bogost chama de “operações unitárias” dos videogames, enquanto instâncias modulares e repetíveis. Aqui nada é repetível nem traduzível (o fervor romântico sobrevive), mas ao mesmo tempo tudo é, paradoxo de quem se autodenomina poeta na era digital do que Kenneth Goldsmith chama de “escrita não criativa”. Como porto-riquenho, sujeito colonial dos EUA, radicado em Nova York, o autor busca imaginar alternativas ao inglês hegemônico e até mesmo a um certo “Spanglish” que faz parte de um mercado dominante.
A obra se nutre da longa tradição do concretismo digital de Augusto de Campos e do minimalismo das permutações de Brion Gysin, ao mesmo tempo em que tenta uma espécie de creolização digital na literatura eletrônica em língua espanhola.
A obra foi criada em 2019 para ser exposta no Berlin Poesiefestival.


“Monitrón 20.20” é uma obra literária audiovisual disponível en YouTube criada pelo coletivo mexicano KFGC. Apresenta uma trilogia de videoclipes experimentais que acompanham um álbum de música eletrônica do próprio coletivo. Lançado em 2020, combina poesia, música eletrônica, animações e design digital em um formato híbrido que desafia as fronteiras entre a literatura, a música e a arte digital, convidando o espectador a imergir em um universo de experimentações sensoriais.
O versos são narrados em voz alta e aparecem na tela alternados com animações bi e tridimensionais e efeitos visuais que acompanham o ritmo musical. A banalidade do cotidiano, o impacto das tecnologias em nossas vidas, os contrastes entre o natural e o artifical, a vida e a morte, são alguns dos temas explorados nos poemas.
Além dos três atos prinicpais – I “No se le puede atraer, no se le puede rechazar”; II “Caos sobre galletas” e III. “Viaje en el tiempo con regreso” – a playlist inclui um vídeo de divulgação do projeto e um de uma apresentação ao vivo do grupo.
O projeto foi desenvolvido com o uso de diversas ferramentas tecnológicas, incluindo Ableton Live para a criação musical, e Premiere e After Effects para a produção das animações e vídeos. O projeto envolve uma parceria com Gabriel Castillo e o Zebra Studio de animação, o produtor Aldo Domínguez e o ilustrador Surreal Nightmares.


Mudanza, de Jimena Jurado, é um vídeo-poema que combina a voz da autora com efeitos sonoros e trechos de vídeos manipulados através de processos digitais, tudo sob uma estética glitch. A obra utiliza programas como TC-Helicon, filtros do TikTok, Photomosh e CapCut para criar um ambiente visual e sonoro que explora a relação entre o corporal e o digital.
O poema inclui versos como "soy ahora traducciones de poros a bits" e "no tengo más que un pixel en los bolsillos", empregando uma linguagem que remete ao mundo digital e à transformação da experiência humana em dados. A obra apoia-se na estética glitch para expressar a fragmentação e a instabilidade na era digital, combinando imagens distorcidas com uma narração poética que reflete sobre a identidade e o corpo em um ambiente mediado pela tecnologia.
"Mudanza" se destaca pelo uso inovador de plataformas como TikTok para criar poesia audiovisual, aproveitando efeitos de vídeo e filtros para expandir as possibilidades da expressão poética nas redes sociais. A obra convida a repensar o potencial desses meios como espaços de experimentação artística, integrando o visual, o sonoro e o textual em uma experiência imersiva.


Museo del corazón kamikaze, de Fernanda Mugica, é um projeto de poesia interativa que explora a relação entre oralidade, imagem e texto, integrando uma estética visual que combina elementos fotográficos e textuais. A obra aborda temas de intimidade e vulnerabilidade, convidando o leitor a refletir sobre as tensões presentes na vida cotidiana.
O projeto utiliza imagens de fundo que fazem referência a conceitos saussurianos, explorando a relação entre significado e significante. Essas imagens se sobrepõem a fragmentos textuais e narrativos, criando uma experiência imersiva em que palavras e imagens se entrelaçam para gerar múltiplas leituras e interpretações.
"Museo del corazón kamikaze" transforma o leitor em um participante ativo, que navega entre camadas de palavra audível e imagem, tornando a leitura um ato de exploração sensorial. A obra convida a questionar a estabilidade dos significados e a forma como as narrativas pessoais são construídas e desconstruídas em um ambiente interativo.



N


Nanai é uma coleção de obras do artista peruano Daniel Vargas Falcón que trazem diferentes perspectivas das subjetividades e realidades contemporâneas. A obra é composta por cinco criações distintas que exploram uma variedade de linguagens — texto, vídeo, animação, áudio e outros elementos digitais — refletindo diferentes facetas da experiência humana. Apresentam uma estética carregada em cores e feitos visuais, colagens e sobreposições, que agregam uma camada expressiva e dramática na abordagem de temas como o amor e a morte. As peças entrelaçam ainda questionamentos sobre identidade e normas de gênero, desafiando as expectativas convencionais.
"Nanai" integra a participação ativa do leitor de diferentes formas, desde hiperlinks até a integração de microfone ou da câmera do dispositivo, posicionando o leitor, sua imagem, voz e emoções, como elementos contitutivos da poética digital. Utilizando uma combinação de tecnologias como HTML, CSS, o ambiente Hydra e JavaScript, cria uma experiência literária que ultrapassa as barreiras tradicionais da narrativa para oferecer uma interação imersiva e multidimensional entre obra e leitor.
A incorporação de materiais de arquivo confere à obra uma camada histórica que ressoa com o contexto político contemporâneo, fazendo com que a crítica social e a expressão emocional estejam sempre presentes. "Nanai" explora a elasticidade da literatura eletrônica, mostrando sua capacidade de abordar a subjetividade e as emoções humanas de forma complexa, enquanto reflete sobre a influência dos eventos políticos na vida pessoal e coletiva.


Nautilus é um livro-aplicativo para dispositivos móveis (iOS e Android) que apresenta uma adaptação do clássico Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne, voltada para o público jovem. A obra transforma a leitura do romance em uma experiência multimídia. A abertura animada cria um preâmbulo que sugere o clima de aventura e suspense que permeia a narrativa. Todas as cenas são ilustradas e incluem elementos interativos, com animações e efeitos sonoros. Essas interações colocam o leitor em um papel ativo ao longo da experiência literária.
O aplicativo também oferece a opção de escutar a obra sendo lida em voz alta, adicionando uma camada extra de significação ao texto verbal, interpretado por um ator profissional. O sistema de navegação da obra é inovador e agrega novos sentidos à narrativa: em determinados momentos, o leitor precisa arrastar a tela para a direita ou para baixo, simulando o percurso submarino que dá nome à adaptação e que mergulha em busca do grande monstro marinho.
Além disso, o app disponibiliza informações relevantes para contextualizar a obra para o jovem leitor, como a biografia do autor, o contexto histórico em que foi escrita por Verne e destaca as inovações que ele previu e que mais tarde se tornaram realidade, como os equipamentos de mergulho autônomos.
O projeto recebeu apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do Brasil, por meio do Concurso de Aplicativos INOVApps, e foi vencedor do Prêmio Jabuti de 2017, na categoria Infantil Digital.


20nov2019 é uma criação multimídia, que combina linguagens verbais, visuais e musicais para retomar uma pergunta crucial no cenário político brasileiro de hoje: Quem matou Marielle Franco? Vereadora negra brasileira que defendia o feminismo, os direitos humanos e as populações vítimas de violência policial na cidade do Rio de Janeiro, Marielle foi brutalmente assassinada a tiros junto de seu motorista, Anderson Pedro Mathias Gomes, em 14 de março de 2018, no Centro da Cidade do Rio de Janeiro. Imagens do rosto da vereadora aparecem no plano de fundo da obra, afetadas por efeitos de glitch, duplicação e superposição. No primeiro plano, a referência à data de 20 de novembro é uma clara alusão ao Dia da Consciência Negra, feriado nacional em território brasileiro, evocado também no título da obra.
A faixa musical é uma remixagem da canção “Capítulo 4, Versículo 3”, da banda brasileira de rap Racionais MC (1997), famosa por suas criações que tematizam a violência contra jovens negros e pobres das periferias brasileiras, bem como o racismo estrutural. Um link na parte superior da obra, onde se lê “Who Killed Marielle Franco?”, redireciona os leitores para um artigo da "The Intercept" sobre o assassinato da vereadora.


Niña perro é uma obra literária que, por meio de hiperlinks, conecta fragmentos específicos do texto verbal a outras páginas nas quais há arquivos de vídeo e áudio, bem como campos para input de dados pelos leitores, de modo a ampliar a experiência e o significado dos versos que a compõem. O poema se organiza como uma descrição da personagem que dá nome à obra, uma figura feminina marginalizada que, misturando traços humanos e animais, vaga pela cidade vazia, em um ambiente hostil e desumanizado. Através de imagens verbais cruas e viscerais, amplificadas pelos vídeos e capturas estáticas de tela em que se destacam cenas violentas ou absurdas de videogames, a obra questiona a exclusão, a precariedade e a resistência daqueles que sobrevivem à margem da sociedade.
Ainda por meio de hiperlinks, "Niña perro" conecta os leitores a outras abas do hipertexto que poderiam figurar como obras independentes de poesia digital pela mesma autora. São exemplos disso, conectados ao poema central de "Niña pero", o videopoema em língua de sinais "Una polera que diga", ou o texto "Poema infinito", que permite aos usuários, por meio de input de dados em um formulário simples, acrescentar novos versos ao final do texto. A hipermídia e a interatividade funcionam nesta obra, portanto, a serviço não só da experimentação com os limites expressivos da mídia digital, senão também para denunciar as condições absurdas e precárias da vida em cenários urbanos.


No poseas un miedo, de Matías Buonfrate, é um vídeo-poema onde uma voz robótica recita versos que aparecem na tela como linhas de um monitor, utilizando Python, After Effects e um processador de textos. A obra explora a relação entre humanos e não-humanos, tomando como referência textos de Bruno Latour e Donna Haraway. Buonfrate questiona como uma "computador" ou um "mineral eletrocutado" se expressariam se tivessem autonomia e vontade, criando uma voz sem tempo nem identidade, que desconcerta a linguagem humana. Essa voz computadorizada enuncia com dificuldade, em uma sintaxe distorcida, construindo uma comunicação distante da compreensão convencional.
Os versos apresentam uma construção complexa, combinando palavras que se fundem e se desintegram, como "soyeréamos" e "nosme dueleolio lerán", em uma sintaxe que reflete a dificuldade de uma "voz computada" para se articular em termos humanos. Fragmentos como "No poseas un miedo" e "inteligencia natural, tierra bajo la tierra" geram uma experiência de estranheza e reflexão sobre a integração do humano com o artificial e o natural.


Nube, de Selva Vargas, é um poema criado em Hydra.js que combina programação, movimento de textos e a voz da autora. A obra explora a materialidade gráfica como resposta ao excesso de dados na internet, utilizando figuras geométricas que interagem com versos sussurrados para imergir o espectador em um universo caótico.
O poema apresenta um conjunto de versos que se deslocam e se transformam visualmente em sincronia com a narração da autora, gerando uma experiência multissensorial que oscila entre o visual e o sonoro. Alguns de seus versos incluem: "da curso a su línea azul", "ondas de luz y radio", e a repetição de "nube, nube, nube", criando uma atmosfera de introspecção e reflexão sobre a natureza do efêmero e do intangível.
Classificada como videopoesia, "Nube" convida a repensar a relação entre linguagem e visualidade em um ambiente saturado de informações. As figuras geométricas e os versos, em sua interação constante, sugerem uma tentativa de capturar e poetizar a fragmentação e a transitoriedade próprias da era digital.



Nube

Autoria: Selva Vargas
País: Peru
Categorias: Código, Vídeo, Literatura Autogerada


O


O é um videopoema que explora o ponto de vista a partir do qual se formulam as linguagens e as cosmovisões que resultam em convenções sociais, culturais e até linguísticas. Uma paisagem é filmada por uma câmera, presumivelmente localizada em um veículo em movimento. A filmagem está enquadrada na letra 'O' sempre constante, como se uma antepara invariável se interpusesse a um panorama em mudança. A paisagem em questão dá uma volta de 360 graus ao longo da duração total do vídeo (1:58 minutos). Com isso, propõe uma reflexão sobre a variabilidade das perspectivas possíveis e sua aceitação ou rejeição social.
A obra remete à tradição da poesia concreta e do conceitualismo, especialmente com o uso tipográfico, mas também com o destaque à materialidade da letra 'O', como circunferência que domina a imagem e o conceito daquilo que a mudança pode produzir. Através dela, tenta operar de maneira plástica e poética sobre os acordos nas formas como nos comunicamos entre nós, mas também com os objetos e as referências que constituem nosso ambiente cotidiano para produzir singularidade e elaborar novos sentidos.
O videopoema foi projetado em: 'Poets with a Video Camera: Videopoetry 1980-2020', Surrey Art Gallery (Canadá, 2022); Film and Video Poetry Symposium (Los Angeles, 2018); Fase 9 - Encuentro de Arte, Ciencia y Tecnología, Centro Cultural Recoleta (Buenos Aires, 2017); XVI Festival Internacional de Videopoesia VideoBardo (Buenos Aires, 2015).


O meu trabalho é, nas palavras de seu autor, Leonardo Villa-Forte, um poema-interface, registrado pela captura de tela de um sistema gerenciador de arquivos no Mac 2012. Pela disposição dos nomes dos arquivos, um acima do outro e alinhados à esquerda, estes se organizam visualmente como versos de um poema, o qual funciona como um texto na medida em que há coesão e coerência entre as sentenças que nomeiam cada arquivo. O título da obra é também o nome da pasta em que todos os arquivos estão salvos, aparecendo na parte superior da interface conforme as convenções gráficas para sistemas dessa natureza.
Segundo o autor, este teria se inspirado pela leitura do livro The Language of New Media, de Lev Manovich, especialmente a parte em que o teórico russo fala sobre como a disposição do computador é inteiramente voltada para o mundo já previamente conhecido, com pastas, arquivos, etc., assim como já era no "mundo físico", em vez de formar uma linguagem própria, inventada pelo universo digital. A obra acaba por desnaturalizar, por meios artísticos, a linguagem de interface dos computadores, substituindo princípios de usabilidade e racionalidade técnica da cultura digital por convenções gráficas do gênero lírico em mídia impressa.


O Sabor Delicado do Nada é um videopoema produzido por rotoscopia a partir de imagens captadas de uma performance artística do Ciberpajé (Edgar Franco), em que este realiza um ritual místico no universo transmídia da Aurora Pós-Humana. Tal universo, inspirado no gênero ficção científica, ambienta diversos trabalhos do artista, nos quais se observa uma poética audiovisual de superação de limites entre o animal, o vegetal e o mineral, dissolvendo-se ainda as balizas do que supostamente distinguiria o humano das demais formas de ser e estar no mundo.
Na performance de O Sabor Delicado do Nada, o Ciberpajé encena uma batalha consigo mesmo, contra os seus dilemas e demônios interiores. A partir dessa filmagem, em um processo de animação digital por rotoscopia, os trechos animados foram produzidos com referências simbólicas a totens xamânicos, conforme os ideais de tecnoxamanismo e tecnognose que norteiam outros trabalhos do artista. As animações foram criadas alimentando o sistema de inteligência artificial com mais de trezentas imagens originais retiradas de trabalhos do multiartista Ciberpajé, como desenhos, ilustrações, pinturas em aquarela e lápis de cor, e muitas páginas de seus quadrinhos digitais, que ficaram conhecidos como HQtrônicas.
A faixa musical do vídeo, produzida por Alan Flexa, cria uma paisagem sonora mântrica em que ecoa um longo aforismo recitado pela voz do Ciberpajé. Por sua vez, o aforismo faz conexões metafóricas com o tratado militar A Arte da Guerra, de Sun Tzu, mixando os seus conceitos à busca do equilíbrio interior presente no Tao-Te King, de Lao Tzi; e conceitos retirados do Livro dos Cinco Anéis, atribuído ao lendário samurai Miyamoto Musashi. "O Sabor Delicado do Nada" é uma produção do Grupo de Pesquisa CRIA_CIBER, da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás.


A coleção “Objetos Poéticos” evoca a materialidade e sensorialidade dos livros de artista e da poesia concreta, transportando-os para o universo digital por meio de vídeos curtos que apresentam a performance da leitura desses texto-objetos-literários. A obra explora uma grande diversidade de materialidades e superfícies, como tecidos, bordados, crochês, dobraduras, livros em formato códice, pop-ups, livros-carrossel, bandeiras, painéis, entre outros.
A objetualidade desses textos ganha uma nova dimensão a partir do registro dos gestos da leitura, do toque nas texturas, do virar das páginas e dos movimentos que transformam a obra e sugerem novos significados. O fluxo de leitura se constrói por meio do registro audiovisual, que ainda é complementado por uma dimensão sonora, agregando ritmos e sensações à experiência.
Muitos dos poemas abordam a subjetividade do eu e sua relação com o mundo, uma questão amplificada pela presença corporificada do leitor, que performa em cada vídeo.
Nesta obra, Clarissa Maiorino Zelada transcende as fronteiras tradicionais da escrita poética. Se, por um lado, ela se apropria das plataformas digitais para disseminar sua arte, por outro, cria uma nova proposta de criação artística, digital, mas com uma essência híbrida. A obra oferece momentos de reflexão e conexão, explorando a palavra de forma expandida e sensorial. Ao utilizar as redes sociais, ao mesmo tempo em que traz a delicadeza e a lentidão do bordado, do gesto, do objeto e da leitura, propõe um refúgio estético frente às comunicações frenéticas comuns aos vídeos curtos dessas plataformas.


Oneirografia é uma obra de literatura digital em formato de ambiente 3D navegável, com linguagem visual próxima à dos games. Com direção de arte, pesquisa e roteiro de Andréa Catropa, e programação, level design e modelagem 3D na plataforma Unity por Felipe Mariani, a obra, como o neologismo de seu título sugere (do grego "oneiros", equivalente a sonho, e "grafia", indicando estudo ou escrita), estrutura-se em torno da metáfora do sonho. A obra se inspira em uma experiência onírica pessoal da artista durante a pandemia de Covid-19, quando condições muito adversas e inesperadas de vida passaram a irromper em nossa vigília e nossos sonhos. O trabalho utiliza ambientes imersivos e com mecânicas de jogos, como point and click e saltos entre plataformas, para que o leitor jogador possa explorar a narrativa onírica que se apresenta, repleta de nonsense e de desafios à interação. Afinal, como no mundo dos sonhos, nem sempre conseguimos realizar ações simples e temos de lidar com a frustração de tentar sem sucesso correr ou interagir com as figuras de nosso entorno, ainda que sem uma razão clara para tal.
Os sonhos contêm mensagens e memórias relevantes que não podemos acessar de outra forma. No entanto, sua linguagem criptografada torna-os de difícil compreensão e, geralmente, quando estamos acordados, esquecemos rapidamente o que sonhamos. Na contramão desse processo, "Oneirografia" visa facilitar a lembrança, a reimaginação e o compartilhamento de nossos sonhos. Nesta obra, os usuários podem escolher se desejam percorrer um sonho ou um pesadelo, e também optar por capturar as fotos do sonho digital para baixá-las ou compartilhá-las nas redes sociais.



P


Palimpsesto é uma obra de webarte programada em Tracery.io e concebida como um site de poesia visual feita com caracteres de Unicode, os quais são retirados de múltiplos sistemas semióticos e esvaziados de seu valor linguístico ou numérico para se tornar elementos de uma escrita assêmica. Nas diferentes abas do site, podem ser acessadas composições visuais com diferentes números de caracteres, ocupando a página inteira ou apenas parte dela, em preto e branco ou com tons de rosa e azul. Selecionados e justapostos aleatoriamente, os caracteres de Unicode se tornam puros grafismos nas composições do site, abrindo-se à interpretação pelo leitor como escritas pictográficas que não representam palavras, frases ou ideias em um sistema convencional.
O título da obra evoca os gestos de inscrição e superposição de caracteres na tela, os quais são aleatoriamente substituídos e recombinados a cada iteração do sistema. O pressuposto teórico e estético que guia o projeto é bem resumido na frase da tela inicial: “Um texto é sempre um experimento de código visual com glifos Unicode”.


pit0nisa, criada pela argentina Sofía Ferro, é uma obra de poesia generativa que discute, como o título sugere ao evocar a profetisa da mitologia grega, a potência mediúnica do código computacional. Utilizando um algoritmo de cadeias de Markov, a obra gera poemas que são como mensagens codificadas da própria máquina, que fala sobre si mesma e suas introspecções. Cada interação com “pit0nisa” resulta em uma nova composição poética, acessada ao refrescar a página, reforçando a ideia de aleatoriedade e surpresa.
Este projeto web, desenvolvido com Javascript puro, HTML e um script em Python, explora a capacidade da tecnologia de transcender sua funcionalidade prática e se tornar um meio de expressão artística. Explora a relação entre a linguagem humana e a máquina, transformando códigos e algoritmos em vozes poéticas que desafiam e encantam.
A exibição dos poemas é feita por meio da biblioteca TypeIt, que simula a escrita em tempo real, criando uma experiência cinemática única, cuja estética simula o Terminal, em que o usuário está em diálogo direto com a máquina sem intermédio de uma interface gráfica. A apresentação sequencial e imutável dos versos contribui para a atmosfera enigmática da obra: o poema surge em um ritmo próprio, impossível de ser acelerado ou retardado. Ptonisa está no comando, e a experiência evoca a sensação de consulta a um oráculo imprevisível.


A obra transmídia "place must exist before departure" propõe uma ficção interativa como meio para explorar formas de questionar a história local. Combina um conjunto de crônicas, relatórios históricos, material de arquivos, mapas, especulações, entrevistas e experiências pessoais dos espaços subterrâneos abaixo das ruas de Paraná, capital da província de Entre Ríos, na Argentina.
O percurso interativo busca desvendar e expor as contradições nas interpretações da origem e os possíveis usos dessas construções subterrâneas que fazem parte do mapa identitário de uma cidade. A polêmica em torno dos túneis e das drenagens de longa data em Paraná, dada sua particular geografia, se reaviva na mídia sempre que uma câmara subterrânea é descoberta acidentalmente sob o pavimento da cidade.
A interface se dá a partir de um quadro de diálogo que emula a programação e supõe uma interação entre a máquina e o usuário que vai, dessa forma, "percorrendo" a arquitetura subterrânea e expandindo os limites da ficção, dando lugar a novas histórias possíveis fundadas em uma mesma paisagem urbana.


Poeira Temporária, de Grazi Shimizu, é uma coleção de poemas visuais em formato de vídeos curtos no Instagram que subverte a lógica do acúmulo incessante de informações na era da internet. Os poemas são compostos por fragmentos de verbetes científicos, esquemas e imagens, em sua maioria originários da Wikipedia, explorando a visualidade do texto poético e a intertextualidade. Essas capturas de tela passam por um processo de subtração, no qual parte do texto é eliminado até que o poema tome forma. Nesse processo literal de apagamento, resta apenas a "poeira" – palavras que pairam sobre o fundo branco, refletindo uma busca por subjetividades na objetividade do texto científico.
Os vídeos curtos, acompanhados de trilha sonora, também destacam as etapas de criação, enfatizando a relevância do processo tanto quanto do resultado final.
A obra dialoga com a ideia de conhecimento acumulado e com as fronteiras entre o saber científico e a experiência poética, além de propor uma reflexão sobre a saturação informacional que caracteriza a contemporaneidade. Os poemas de "Poeira Temporária" exploram a espacialidade da tela de forma singular, oferecendo múltiplos percursos de leitura e significado. A obra não apenas reflete sobre a natureza transitória e efêmera da informação, mas também destaca a relação entre memória e esquecimento na era digital.


Poemas de Brinquedo é uma obra transmídia de literatura digital que combina poesia visual, som e animação para criar uma experiência interativa e lúdica. Inicialmente desenvolvida em Managana, software de publicação livre rodado em Flash, a obra foi impactada pela extinção dessa tecnologia. Atualmente, parte do conteúdo audiovisual está disponível em vídeos no YouTube, acessíveis via uma página web. Também apresentou uma versão impressa, publicada em 2016 pela editora Peirópolis.
No suporte impresso, "Poemas de Brinquedo" se apresenta como uma caixinha de surpresas, com poemas dispostos em fichas, convidando o leitor a uma brincadeira poética. Já no ambiente digital, os poemas se destacam pelo uso de sonoridade e ritmo, explorando características regionais do português brasileiro, especialmente as variantes nordestina e mineira. A performance do narrador, junto às animações tipográficas, reforça a interação entre o texto e o leitor, criando uma experiência sensorial única.
É uma obra em princípio endereçada a crianças, rementendo à tradição dos jogos de linguagem e trava-línguas, mas que encanta leitores de todas as idades. Remete ainda a outras experiências de poesia digital e visual, como a poesia concreta, que também usa a forma das palavras para gerar significado. "Poemas de Brinquedo" enriquece essa tradição ao acrescentar o componente audiovisual e a interação do usuário.
A obra está está calogada no Atlas da Literatura Digital Brasileira e foi finalista do Prêmio jabuti na categoria Infantil Digital.


Poemas Lanzados (v2), de José Ignacio López, é um poema eletrônico que explora a natureza da linguagem e sua dimensão sonora e visual. Classificada no gênero de poesia interativa e multimídia, a obra apresenta textos que se deslocam pela tela, convidando o leitor a clicar nas palavras para reproduzir uma voz que as lê, transformando o poema em uma partitura em constante transformação. Essa experiência lúdica modifica continuamente o ritmo e a ordem de leitura dos termos, gerando um significado sempre mutável.
Criada para o software Flash, "Poemas Lanzados (v2)" exemplifica a poética digital dos primeiros anos da década de 2000, quando a interatividade e o som tornaram-se ferramentas fundamentais para expandir os limites do verso. A recomposição do poema ao ritmo do clique converte o leitor em co-criador. Nesse sentido, segue a linha de experimentação com as estruturas combinatórias da linguagem, como os poemas em Flash do peruano José Aburto, que também exploram as possibilidades interativas do meio.
A obra evoca os experimentos sonoros da poesia concreta dos anos 50 e 60, bem como as explorações tipográficas de Mallarmé em "Un coup de dés". No entanto, López vai além graças ao ambiente digital, combinando movimento, som e disposição visual, reforçando a ideia do poema como um processo aberto e infinito. Esta obra convida a repensar nossas interações com o texto, transformando a leitura em uma experiência dinâmica e multissensorial.
Devido à obsolescência do Flash, a peça apresentada utiliza Ruffle para sua visualização.


Poesía compilada é um projeto artístico e pedagógico que envolve a escritura de código como forma de expressão que combina uma linguagem natural humana e elementos de linguagem de programação. O projeto dispõe de um manifesto ("Manifesto da Poesia Compilada") que apresenta sua proposta de ação e seus pressupostos estéticos e filosóficos, advogando que “A poesia está no silêncio caótico dos bytes. O algoritmo é a nova forma de comunicação entre as pessoas; o idioma natural de cada ser humano”. A redação do manifesto aplica já alguns dos princípios da escritura de código, como a declaração de sua proposta no corpo da função main e o termo PoesiaCompilada++ como retorno de uma função ao final do texto.
Por sua vez, o ebook "Print("Meu primeiro print")" reúne nove poemas que foram produzidos no âmbito do projeto Poesia compilada por meio da combinação de palavras da língua portuguesa e estruturas da sintaxe de Python, incluindo os comandos para laços de repetição, listas, operadores booleanos, declaração de variáveis etc. O ebook reúne textos trabalhados durante as aulas de um curso formativo para crianças de escolas públicas no interior do estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Os poemas tematizam questões de identidade e diversidade, em termos de religiosidade, raça, gênero etc. e foram diagramados usando as ferramentas carbon.now.sh e Canva, de modo a simular capturas de tela de interfaces computacionais. As mensagens políticas de cada poema são veiculadas principalmente pelas palavras em língua portuguesa usadas na declaração de variáveis, nos elementos das listas e nos outputs que seriam gerados pelo comando “print”.


poesIA latinoamericana, de Sebastián Maldonado em coautoria com ChatGPT, é uma série de poemas que funde linguagem natural e de programação, inscrita no gênero de poesia-código. A obra utiliza inteligência artificial para reescrever textos de poetas latino-americanos como Jorge Teillier, Enriqueta Ochoa e Mario Montalbetti, combinando versos poéticos com linhas de código para questionar as fronteiras entre a escrita humana e algorítmica.
ChatGPT atua como coautor, reinterpretando os textos originais e apresentando elementos temáticos e estilísticos dos poetas por meio de uma lente digital. A obra insere-se na poesia experimental latino-americana e explora a programação criativa, refletindo sobre a intertextualidade e a autoria compartilhada na era digital.
A obra convida o leitor a interagir com os poemas como fragmentos de código, sugerindo que a poesia digital é um sistema aberto em constante reinterpretação. Além disso, destaca como a inteligência artificial pode expandir as possibilidades do verso além dos limites da linguagem escrita.


Pronombres é um poema interativo que busca representar uma dança dos pronomes pessoais em espanhol dentro da metáfora de uma viagem de avião. Aproveita a dimensão gráfica das palavras, seus movimentos no espaço fechado de uma cabine de avião, diferentes realizações fônicas nas quais se percebem tanto sotaques regionais quanto algumas peculiaridades das variadas versões do espanhol (o uso do "vos" na Argentina e do "vosotros" na Espanha), além de alguns sons e utilizações da voz que se relacionam com os pronomes de diferentes maneiras e contribuem para criar paisagens sonoras.
Explora a gramática do espanhol e seus modismos de uma maneira muito criativa. Os pronomes são apresentados "em movimento", atribuindo um papel importante à voz dos passageiros que momentaneamente assume a dêixis. Nesse sentido, é muito interessante que os pronomes são um tipo de palavra que o tempo todo depende e muda de referência, por isso as figuras da voz e do avião dialogam organicamente.
Estabelece uma conexão com a poesia visual no uso tipográfico, nas cores e nas variações utilizadas.


Protestitas 2023 é uma obra generativa que foi criada em agosto de 2023 adaptando-se a programação do bot @Protestitas, desenvolvido por Leonardo Flores originalmente para o Twitter. A versão web é apresentada como uma página na qual emojis de prédios lado a lado desenham uma via pública circundada pelos emojis de policiais, carros de polícia, ambulâncias e bombeiros. No espaço da rua, uma marcha de protesto é sugerida pela sucessão vertical de combinações randômicas de outros emojis, que representam cidadãos de diferentes raças, gêneros e profissões, com variadas expressões de espírito. Junto com esses emojis, são aleatoriamente selecionadas também palavras de ordem que conduzem os protestos, tematizando questões como a educação pública, direitos das mulheres, greves trabalhistas, valores nacionalistas, a situação de Porto Rico na política dos Estados Unidos etc. As palavras de ordem foram retiradas de protestos reais ocorridos em Porto Rico desde 2017.
O bot original foi criado usando Tracery e Cheap Bots Done Quick!, e lançado no Twitter em 2018. Após mudanças nessa rede social que tornaram a obra inacessível, o artista criador resgatou o código de programação e o implementou na versão web acessível na Antologia. A versão atual foi programada em HTML, CSS e JavaScript com ajuda do ChatGPT.
O artista Leonardo Flores dedica a obra ao povo porto-riquenho, que marcha por seus direitos.



Q


QUIMER-B é uma obra de ficção interativa feita em Twine por David T. Marchand, autor de diversas outras obras do mesmo gênero, que flerta com o universo dos jogos baseados em texto. Com versões em inglês e em espanhol, esta obra de ficção científica, ambientada em um cenário futurista distópico, conta a história do supercomputador QUIMER-B, uma consciência virtual programada para tomar decisões de modo autônomo e gerenciar uma instalação física, mas que acaba fugindo do controle e se tornando perigosa e destrutiva para os humanos.
A narrativa se desenrola em quatro capítulos, nos quais os eventos são progressivamente narrados em telas com blocos de textos que, ora se revelam, ora se ocultam, por meio de distintas mecânicas do Twine. Esse movimento gera tensão e expectativa, em termos do ritmo de interação com a obra, que se somam ao suspense construído pela diegese distópica. As trocas de cores na tela de fundo, nos blocos de texto e nos links são também significativas na obra, indicando mudanças no estado de espírito do narrador e/ou plot twists que adensam o relato.



QUIMER-B

Autoria: David T. Marchand
País: Argentina
Categorias: Hipertexto


R


Retratos vivos de mamá é uma obra de literatura eletrônica transmedia, com “capítulos” que se expandem para além da web. Convida o público a entrar em contato com uma literatura intimista, explorando as narrativas do eu, nas quais a arte e a escrita contribuem para a elaboração de um luto.
A obra se entrelaça com o documental através da exploração de diversos gêneros (diários, poesia, narrativa, epístolas) e modos de expressão artística (videopoesia, videoperformance, desenho, fotografia, documentos sonoros). Por meio dessas explorações plásticas, audiovisuais, sonoras e performáticas, propõe-se um diálogo com o arquivo familiar autobiográfico da artista, que o usuário vai descobrindo à medida que interage com diferentes recursos presentes no trabalho.
Concebida pela autora como uma expansão transmedia, a obra começou a ser desenvolvida em 2023 e continuará por mais alguns anos até que se completem a criação e distribuição dos “capítulos” restantes da história. Assim, apresenta-se como um work in progress com reminiscências de outros trabalhos transmedia pioneiros no campo da literatura digital, como os de Christine Wilks.


Rim-bot vuelve a casa, de Jorge Forero, é uma série de três poemas intitulados "Pregón para Ernesto", "Flor Carnívora" e "Veintitantos Vientos". A obra explora a criação poética por meio do uso de inteligência artificial, utilizando dois modelos de linguagem: um modelo pré-treinado baseado no BERT e uma rede neural recorrente. O processo criativo envolveu o ajuste dos modelos com dados provenientes do romance "Los detectives salvajes" e dos tweets da conta @bolano, gerando textos que dialogam com a obra de Roberto Bolaño.
As imagens que acompanham cada poema foram geradas por meio de um modelo GAN, tomando como ponto de partida a icônica fotografia de Arthur Rimbaud por Étienne Carjat. A GAN reinterpreta essa imagem conforme o título de cada poema, criando uma conexão visual que expande a experiência poética e reinterpretando a figura de Rimbaud em um contexto contemporâneo.
"Rim-bot vuelve a casa" se encontra no cruzamento entre poesia digital e literatura assistida por inteligência artificial, convidando a repensar a autoria e as possibilidades criativas em um ambiente híbrido entre o humano e o digital. A obra brinca com referências literárias e a reinterpretação visual, conectando passado e presente por meio de um processo que combina tecnologia e tradição literária.


Robot Talks pode ser entendida como uma performance realizada entre 2020 e 2022 pelo artista Leonardo Villa-Forte interagindo de modo inusual com chatbots comerciais online. Tal interação foi documentada em capturas de tela, aqui apresentadas ao leitor da Antologia. Nas performances, o artista iniciava conversações com bots conversacionais de bancos, lojas e instituições públicas brasileiras, mas conduzia intencionalmente os diálogos para fora dos roteiros previamente programados pelos designers, avançando para temas como amor, morte, solidão, poesia etc. Assim, ao fazer perguntas pessoais, confessar sentimentos íntimos ou exprimir opiniões não solicitadas pelos robôs conversacionais, o artista expõe a precariedade da ideia de diálogo com um chatbot e os óbvios descompassos entre a linguagem humana e sua simulação por sistemas computacionais. Por meio de perguntas e respostas inesperadas nos diálogos com os chatbots, as performances em última instância consistiam na geração intencional de ruído na comunicação, recordando-nos um dos efeitos nefastos do rápido incremento na mediação digital das interações humanas durante a pandemia do COVID-19, período em que mais de cem diálogos do projeto Robot Talks foram conduzidos. As capturas de tela de muitas dessas performances estão reunidas no perfil de Instagram @robot_talks.



S


SAÍDA game é um projeto multimídia que envolve poesia, arquitetura e design na forma de um ambiente 3D navegável, com linguagem visual próxima à dos games. O ambiente é estruturado como um “poema-prédio”, isto é, um espaço arquitetônico em cujas paredes, piso, teto e escadas podem ser lidos versos durante a navegação. Espalhados em diferentes estruturas do poema-prédio, os versos assumem direções e sentidos inauditos (na vertical, na horizontal, espiralados etc.), como na exploração do espaço gráfico típica da tradição de poesia concreta no Brasil e seus tributários.
A experiência de se perder no espaço arquitetônico e a dificuldade de se locomover por meio das teclas de comando no mouse e/ou no teclado se somam ao desafio de leitura e interpretação dos versos dispostos em diferentes ambientes do prédio, adensando e desautomatizando a percepção das múltiplas linguagens da obra, como ao gosto do Formalismo Russo. Quando próximo o bastante de um dos versos, o leitor pode clicar sobre suas palavras, o que desencadeia a execução de um áudio com o verso recitado e faz do espaço arquitetônico de Saída uma paisagem sonora na qual a declamação poética se mistura a sons diegéticos de passos, de colisões e do vento que sopra incessante ao fundo.
O projeto é de autoria de Arthur Moura Campos, que também assina os versos dispostos no modelo virtual 3D. Anders Rinaldi e Rodolfo Brant foram responsáveis pela programação, edição sonora, renderização e implementação no motor de jogos Unity. A obra foi premiada na mostra virtual Sala Compacta (2021), do Museu de Arte de Goiânia, e contemplada pelo Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – 10ª edição.


Scholarly Stanzas é um trabalho multimídia realizado com inteligência artificial. Seu autor o apresenta com o objetivo de gerar um Recurso Educacional Aberto (REA) que utiliza canções criadas por inteligência artificial para dar uma introdução agradável a centenas de teorias da comunicação dentro das ciências sociais. No mesmo contexto de cada canção, também são apresentados vários recursos computacionais de alta qualidade para a exploração e acesso à pesquisa científica sobre cada teoria, a partir da interação do usuário.
Em primeiro lugar, o usuário se depara com uma espécie de roleta na qual tem uma variedade de cores e disciplinas para escolher. Dentro de cada uma, há uma segunda roda com temas que fazem parte da disciplina escolhida. Ao clicar, cada tema tem uma descrição e uma série de contribuições para serem exploradas e experimentadas a partir de música, leitura, navegação em motores de busca acadêmicos e envio de formulários do Google para solicitar material. Dessa forma, tematizam-se as "stanzas" na academia que dão nome ao trabalho.
Promove uma exploração do que poderíamos denominar a "inteligência emocional" da máquina em interação com os humanos, um problema de grande atualidade.


Seis8s é uma linguagem computacional baseada na web que permite a interação em tempo real com áudio digital e conhecimentos musicais localizados. Resulta em poemas feitos de números e códigos que incluem a fusão de gêneros midiáticos, musicais e poéticos, como a cumbia eletrônica, a música algorítmica e o live coding. Essa conexão entre código e execução musical remete a uma longa tradição de literatura experimental da qual a literatura digital se utiliza para gerar trabalhos que incluem novas linguagens e sons produzidos pelo computador.
"Seis8s" utiliza comandos em espanhol que se relacionam com a música latina dançante, também conhecida como música latina urbana ou música popular latina. Especificamente, seus comandos e os sons resultantes giram em torno de instrumentos, como o teclado, o baixo elétrico, a güira e as congas. Os comandos de "Seis8s" também giram em torno de substantivos que transmitem ações relacionadas a esses instrumentos, por exemplo, acompanhamento, ritmo, tumbao e punteo.
"Seis8s" se propõe, a partir da produção desta peça, aproximar uma linguagem de música computacional derivada do espanhol que permita formar uma comunidade imaginada na/da América Latina. Dessa forma, busca explorar aspectos culturais, históricos, políticos e econômicos da região.


Self Portrait, de Felipe Cussen, é um trabalho realizado na forma de um livro em PDF, hospedado na nuvem do Dropbox. O link que leva à obra não possui restrições de acesso, mas não pode ser editado. Segundo a capa, é editado pela Vanity Press, em uma clara virada lúdica que contém uma crítica à cultura da selfie e à publicação desmedida de fotos nas redes. Embora não seja uma obra interativa, é reflexiva e nos permite parar para pensar sobre a degradação da linguagem fotográfica em um contexto de hipervisualidade.
Consiste em uma fotografia digital, também chamada de foto de identidade, na qual é retratado o rosto de um homem, presumivelmente o autor do trabalho, em cores sépia e verde escuro, com fundo branco. Essa primeira fotografia contém, na página seguinte, um conjunto de dados relativos ao código da fotografia digital em questão e dados sobre o biotipo facial, o gênero e a roupa, juntamente com uma graduação de 'celebridade', ou seja, na fotografia é possível detectar o quanto de 'celebridade' possui o retratado em seu rosto. Em seguida, aparece uma segunda versão da mesma fotografia, passada pelo Pixelator, um software usado para transformar imagens em obras artísticas e capas de maneira lúdica. As informações da fotografia reaparecem a seguir, com outras porcentagens. O procedimento se repete ao longo de todo o PDF até chegar a uma última imagem monocromática, sem deixar vestígios da pessoa retratada.
A partir da insubmissão artística e com um forte conteúdo irônico, a obra tem como objetivo evidenciar o absurdo do digital por meio de um procedimento: levar ao paroxismo uma fotografia digital e, em particular, um retrato.


Selfie, de Rodolfo Mata e Diego Bonilla, é um poema generativo, permutacional e aleatório que se reconstrói continuamente com a ajuda de um computador, preservando a essência da poesia como arte da palavra. A aleatoriedade é controlada e opera em determinados níveis, permitindo manter um horizonte de significação e coerência. As variações apresentadas podem ser entendidas como alternativas do processo de composição poética, proporcionando uma experiência fluida em vez de uma versão definitiva em papel.
A estrutura visual apresenta três alternativas simultâneas para cada estrofe, destacando a opção central, enquanto um modelo 3D em movimento é exibido ao fundo. A voz gravada e filtrada adiciona inflexões que enriquecem a experiência auditiva, sendo recomendado o uso de fones de ouvido para apreciar plenamente a ambientação sonora.
A obra possui duas formas de apresentação: uma contínua e outra interativa. A interação permite avançar na leitura visual e cria um efeito de coro à medida que o leitor explora as opções de leitura. Essa estrutura dinâmica destaca a multiplicidade de possibilidades na poesia digital, explorando como a tecnologia pode expandir as opções de composição e leitura em um contexto não linear. Foi criada como um arquivo executável utilizando o software Director.


Silencio vacío, de Rodolfo Mata, é um poema interativo em homenagem ao poema concreto "Silencio", de Eugen Gomringer. Inspirado na estrutura da obra original — uma matriz de 3 x 5 com a palavra "silêncio" repetida e um espaço vazio ao centro—, Mata dinamiza essa disposição ao introduzir séries de palavras que se desdobram sob cada "silêncio". A obra convida o leitor a explorar diferentes caminhos de leitura, transformando a experiência estática em uma jornada textual e visual.
O poema interativo considera a proposta de Gomringer não apenas como um experimento gestaltista, mas como uma "matriz de transformações textuais". As séries de palavras são estruturadas com restrições gramaticais para manter a coerência nas diferentes configurações, permitindo que cada interação revele novas leituras e significados.
"Silencio vacío" incorpora elementos de animação e som que são ativados de forma inesperada à medida que o leitor interage com o texto, até que todas as palavras desapareçam. Essa característica amplia a noção de silêncio para além de sua representação visual, transformando-o em uma experiência de leitura e percepção em constante mutação.
A obra foi criada como um arquivo executável no Director e explora a fronteira entre a poesia concreta e digital, propondo uma releitura do poema como um espaço interativo, onde o vazio e o silêncio se manifestam de maneira dinâmica.


Simbiografía é uma obra que explora os limites entre memória e ficção, apresentando-se como um experimento híbrido entre biografia e autobiografia mediada por tecnologia, e explorando novas formas de escrita criativa e não criativa. Através de um mosaico poético e intertextual, Ángel Alberto Sesma González rememora sua infância e o impacto da computação em sua vida cotidiana, enquanto reflete sobre a última geração que vivenciou tanto a vida desconectada quanto os primeiros passos da digitalização.
A obra estabelece um diálogo imaginário e provocativo entre o autor e uma IA, criando um simulacro de interrogatório cruzado que traça uma ponte entre a experiência pessoal e a inteligência artificial. Originada em um workshop de escrita online no final de 2022, a obra evolui com a participação de leitores e sugestões anônimas, possibilitadas por QR-codes e links de acesso. É possível retornar a versões anteriores, dividir o texto em subtextos ou reconfigurá-lo, refletindo o caráter fluido da memória e da narrativa digital.
“Simbiografía” é, assim, um testemunho da convergência entre o individual e o coletivo, o humano e a máquina. Com sua estrutura interativa e em constante mutação, a obra reflete sobre a contínua reinvenção da literatura digital.
Foi desenvolvida utilizando ferramentas como Google Docs, modelos de linguagem como GPT-4, CLIP e BERT, e impulsionada por interações em redes sociais (Facebook, Instagram e WhatsApp).



T


A Trilogia da Pandemia é um conjunto de obras que exploram o contexto da Covid-19 por meio de intervenções poéticas e artísticas, utilizando realidade virtual, aumentada e o sistema de notificações de dispositivos móveis. Composta pelas obras “Vacina Estética”, “Lave as Mãos” e “Covid-19”, desenvolvidas entre 2020 e 2022, a trilogia está disponível como aplicativos para dispositivos Android.
“Vacina Estética” é uma instalação em realidade virtual que transporta o usuário para uma sala de hospital tridimensional, projetada no Blender 3D e desenvolvida com Unity 3D. A experiência visual, enriquecida por efeitos de luz e sombra, revela versos poéticos nas paredes, simbolizando o sentimento de aprisionamento e a reflexão sobre a fragilidade humana durante a pandemia. Os movimentos da cabeça do usuário, em um ambiente estereoscópico, proporcionam uma exploração sensorial da obra.
O poemapp “Lave as Mãos” propõe uma fusão entre funcionalidade e poesia, lembrando a necessidade de higiene como medida profilática contra o vírus. Premiado pelo Consórcio del Sur no edital SHIFT: Projetar o Mundo Após o Fim do Mundo, este aplicativo apresenta versos que se desenrolam enquanto o usuário navega pela interface, incentivando uma introspecção sobre hábitos cotidianos e sua importância social.
Por fim, o poemapp “Covid-19” utiliza realidade aumentada para representar a imagem do vírus como um catalisador para a interação poética. A experiência convida o usuário a apontar a câmera de seu smartphone para uma imagem do vírus, permitindo que palavras emergentes se tornem metáforas da disseminação da doença e de seu impacto global durante a pandemia.



U


Um poema cai na terra é um videopoema de duração de 41 minutos, composto como uma gravação de tela em que se assiste a todo o processo de criação de um poema homônimo, escrito por Renata Froan na ferramenta Google Docs. A obra em vídeo permite que o leitor testemunhe o poema como um processo que se desenrola diante de seus olhos, durante os gestos de escrita e apagamento realizados pela poeta em sua atividade criadora. Além disso, o leitor pode ver, de um ponto de vista semelhante ao da escritora diante da tela, os processos de navegação na interface do Google Docs, formatando o texto, dando zooms na tela, clicando em menus, rolando a barra lateral etc., o que acaba por compor uma performance em que a presença da artista é sugerida pelo cursor.
A camada verbal do poema tematiza questões referentes à poesia, à hesitação no processo de criação e a um texto que se faz como eternos recomeços. Sua diagramação na página é informada por escolhas de fonte, tamanho, centralização, margem etc. que acrescentam novos sentidos ao texto, junto com as imagens inseridas no arquivo em determinada altura do vídeo. Ao final da obra, os espectadores-leitores veem na tela o link de acesso ao documento original em que o poema foi escrito, como se estivessem sendo convidados pela autora a seguirem com a escrita. “Um poema cai na terra” é parte da pesquisa de mestrado de Renata Froan, com orientação do Prof. Dr. João Vilnei, no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará. A obra conta ainda com a autoria de José Cândido e tem como referência a obra “Caro Reni, ... ou de como e porque Tutunho (se) escreve”, do artista Wellington de Oliveira Junior (Tutunho).



V


var x = ¿con qué unidad mides la ausencia? é uma obra web audiovisual na qual convergem a poesia e a arte algorítmica. Trata-se de um projeto em que a hibridação de diversos processos entre Nicté Toxqui e Rodrigo Velasco tem como objetivo dialogar com o leitor através de um poema escrito colaborativamente. O mesmo surgiu graças ao intercâmbio e à composição de saberes entre os autores e os processos dos workshops de escrita criativa e arte na web ministrados pelos mesmos.
A obra é um projeto de código aberto que foi criado através de software livre, cuja poética se constrói a partir de um breve poema repetido sobre diversas "telas" visuais que interpelam o leitor e mudam a percepção a cada passo. Indaga-se a noção de ausência em termos de D. Hawaray: uma necessidade de nomear "um tipo de espaço-tempo para aprender a seguir com o problema de viver e morrer com responsabilidade em uma terra danificada".
O poema explora universos simbólicos entre o sonho, a crise climática, a cotidianidade, o canto, o desencanto e a viagem; tem uma natureza transformacional e gerativa que enfatiza a criação de trajetórias inesperadas e interrompidas. Proveniente do México, tematiza e problematiza a violência que preocupa no país: narcotráfico, vítimas de feminicídio e desaparecimentos forçados, saqueio de recursos naturais, extinção de espécies, anos letais para os defensores do meio ambiente.


Vestigios de la caverna, de Lorena Mata, é um vídeo-poema criado com software de edição de imagem, vídeo e manipulação de áudio da Adobe. A obra combina fotografia digital montada em vídeo, sons e texto, reinterpretando o mito da caverna de Platão em um contexto contemporâneo. Esta peça foi parte de uma instalação na Galería Laboratorio Arte Binaria do Centro Multimedia no México.
Em "Vestigios de la caverna", a autora apresenta uma série de silhuetas humanas em movimento, organizadas em seis sequências visuais que representam uma "dança trágica", na qual são atualizados os gestos e símbolos do mito platônico. A ambientação sonora, composta por sons típicos da vida moderna, contribui para criar uma atmosfera de desorientação e resignação, que questiona o sentido de verdade e liberdade no presente.
A obra é complementada com o poema "Vestigios platónicos" de Rodolfo Mata, cujos versos, como "Danza a la orilla del mundo" e "Sombras vagando sin rumbo", ressoam com as imagens, acentuando o caráter introspectivo e espectral do vídeo-poema.


Videodreams, de Fernando Montes, é um romance transmídia que cruza narrativa, videogame, música e arquivos digitais associados às décadas de 1980 até a atualidade. A obra é composta por capítulos acessíveis na web, onde alguns funcionam como videogames e outros como sites que combinam texto, imagens extraídas da internet e visuais gerados com DALL-E mini. Para seu desenvolvimento, foram utilizadas várias tecnologias, incluindo HTML5, JavaScript, Unity, C#, Live e Reason, criando uma experiência imersiva e multimídia.
A trama segue Cherry Fix, uma artista em uma Buenos Aires dos anos 2010, que, à beira da extinção, fica presa em uma intriga criminal em um submundo exclusivo. Diferentes influenciadores aparecem assassinados durante transmissões ao vivo, e Cherry se depara com uma rede de tensões onde "a alma é software". O autor descreve "Videodreams" como um romance experimental de caráter arqueológico na internet das últimas décadas, inspirada em temas como o neurocolonialismo, a relação entre tecnologia e o sagrado, e as exclusões nas artes e nas redes.
"Videodreams" se inspira em antecedentes como 17776, de Jon Bois, explorando novas formas de leitura interativa e oferecendo ao leitor/jogador surpresas audiovisuais e neuromoduladoras. A obra convida à reflexão sobre os códigos de interação modernos, os criptorracismos e a personalidade global, em um espaço que cruza o digital e o narrativo, expandindo o gênero da novela através de uma estrutura transmídia.


Voy a tener sueño, de Fernanda Mugica, é um poema interativo que reúne os sonhos que a autora compartilhou em sua conta no Twitter @vanityfer entre 2008 e 2020. Em sua versão web, desenvolvida com HTML, CSS e JavaScript, o leitor pode interagir com o poema clicando na palavra "soñé", o que revela diferentes versos que registram fragmentos de seus sonhos, como: "soñé que el árbol de la puerta de casa era un limonero", "soñé que Borges era literatura sin TACC", ou "soñé que tenía una pantera que era buena solamente conmigo." Cada verso funciona como um link, que, ao ser clicado, leva a uma busca no Google, expandindo o poema para a internet e criando uma experiência hipertextual que convida o leitor a explorar conexões fora do texto. Esta versão web inclui fundos que mudam a cada atualização, compostos por gifs e imagens que evocam a cultura digital, o glitch e a arte da internet, criando uma estética visual em constante transformação.
"Voy a tener sueño" também possui uma versão em formato EPUB, publicada pela Editorial Matrerita, que incorpora gifs de Canek Zapata, adaptando o registro dos sonhos para um formato digital de leitura mais tradicional. A obra, em ambas as versões, convida à reflexão sobre a natureza dos sonhos, a identidade digital e a expansão da poesia no contexto da internet.